Para documentarista, trabalho audiovisual contorna conflito entre gerações de índios

12/08/2007 - 15h18

Pedro Biondi
Enviado especial*
Aldeia Ipatse (Parque Indígena do Xingu) - O documentarista e indigenista VincentCarelli avalia que o trabalho com recursos audiovisuais com os índiospode ser usado a favor das tradições e contornar oconflito entre gerações nesses povos. Ele dirige, com amulher, Maria Corrêa, a organizaçãonão-governamental (ONG) Vídeo nas Aldeias. “Oaudiovisual é perfeito para eles, para um projeto deresistência cultural, para um discurso tradicionalista”, diz.“Permite uma apropriação direta e é importantetambém para a preservação da língua. Aescrita exclui os mais velhos. As novas geraçõesaprendem a ler e escrever, matemática, uso de dinheiro, e issocria uma ruptura de autoridade.” Carelli falou àAgência Brasil na Aldeia Ipatse, dos Kuikuro, no ParqueIndígena do Xingu, em 21 de julho. Ali, a Vídeo nasAldeias desenvolve trabalho em parceria com o projeto DocumentaKuikuro, coordenado pelos antropólogos Carlos Fausto e BrunaFranchetto, e com o Coletivo Kuikuro de Cinema. Eles procuraram aentidade em busca de assessoria técnica. VincentCarelli descarta o risco de o acesso a essas tecnologias acelerar astransformações no modo de viver dessas etnias eacentuar o descompasso entre jovens e velhos, apontado pelojornalista Washington Novaes como um dos principais focos de tensãono Xingu. “É um processo arrasador, um rolocompressor, e não depende da gente, que é uma gota numoceano”, opina Carelli. “Começou uns dez anos atrás,com parabólica... Hoje, se tem luz, tem televisão. Aslideranças se queixam, mas também gostam de TV. Éum processo histórico sobre o qual ninguém temcontrole.”O documentarista apontaum processo de “autofolclorização”, que estaria emcurso em muitos lugares. Para ele, isso resulta da cobrança denão-índios e até de outros índios por umacaracterização: “As pessoas querem ver o índiopelado, projetam um imaginário no qual ele precisa seencaixar. Isso não tira dos indígenas o direito de umareparação pelo que passaram, de um reconhecimento. Aspessoas precisam de um pouco mais de informação sobre ahistória do Brasil.”Carelli conta que, quando a ONGcomeçou seu trabalho, há 20 anos, a prática erabasicamente colocar a câmera a serviço de um registrocoordenado por líderes indígenas preocupados com aperda dos cantos e danças tradicionais, com atençãotambém às reações desencadeadas. E que,com a chegada de Mari Corrêa, a formação derealizadores indígenas ganhou prioridade também. “Elaveio da França com a experiência de uma escola de cinemafundada pelo Jean Rouch [referência do cinema etnográfico],que tinha um processo de aprendizagem coletiva, e aí a gentedeu uma virada no projeto”, diz.Corrêa conta que aintenção agora é experimentar um trabalho comtécnicas de animação. “A linguagem dedocumentário é limitada para alguns temas de históriasque eles têm muita vontade de contar, e até a de ficção,porque precisaria de meios muito grandes”, observa. “Animaçãoé uma linguagem boa para tratar, por exemplo, de mitos, em queanimais se transformam em gente e vice-versa.” A seu ver, essaopção pode até ampliar a participaçãoda comunidade, envolvendo crianças e velhos.