História da Rio-Santos é a crônica dos deslizamentos de terra

06/01/2010 - 6h57

Luiz Augusto Gollo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - A ligação rodoviária entre o Rio de Janeiro eSantos, concluída efetivamente em 1971 em seus mais de 500 quilômetros (km),é a crônica de erros repetidos com perseverança e muita teimosia, comose depreende dos registros históricos e da lembrança de antigosengenheiros que acompanharam a construção dessa estrada, vítima dedeslizamentos de encosta a qualquer chuva mais forte.É o caso de Geraldo Gayoso, de 81 anos, atual diretor técnico do Píer Mauá, consórcio que administra o Porto do Rio de Janeiro,testemunha da insistência de autoridades municipais e federais emconstruir a estrada em terreno francamente adverso e da maneira menosrecomendada.“A estrada atravessa áreas de taludes muitoinclinados e com vegetação muito densa. Para fazer a obra, desmatou-see cortou-se a serra, construindo-se platôs de concreto para o leito daestrada”, lembra o engenheiro.O resultado foi o enfraquecimentodo terreno pela retirada da vegetação natural e a sobrecarga do soloabaixo dos platôs, o que reflete nos deslizamentos e nos rompimentosdo asfalto nas épocas de chuvas. Há meio século, astécnicas de engenharia não permitiam prever problemas que hojeparecem óbvios, mas a estrada foi aberta em ritmo lento, ao longo dedécadas e décadas, até o ano de 1971, o que permitiria correções, observa Gayoso.“O projeto original estava errado a partir daopção do desmatamento e dos platôs. A estrada deveria abrir túneis narocha e viadutos onde fosse possível. Isto, com as obras de geotécnicapara a contenção de encostas, seria a opção correta e até mais barata,considerando-se os prejuízos materiais e as perdas humanas dosdeslizamentos e rachaduras na estrada”.Não é uma coincidência o fato de a abertura da Rio-Santos ter inaugurado,também, o desenvolvimento urbanístico de Angra dos Reis e Paraty. Atéentão quase inacessíveis, as duas cidades experimentaram, a partir dos anos 70, um grande crescimentoimobiliário.Foi nogoverno Juscelino Kubitschek que algunstrechos da Rio-Santos começaram a rasgar a serra, serpenteando nasalturas, bem junto ao mar.A motivação principal dos prefeitos da região era integrar-se à ondadesenvolvimentista nacional, vencendo as dificuldades topográficas comos instrumentos de que dispunham.Nos primeiros anos do regimemilitar, a pressão municipal sobre o governo federal se fez mais forte,baseada na nova ordem e no seu caráter autoritárioe centralizador. O então Ministério de Viação e Obras Públicas, hojedos Transportes, era chefiado pelo general Juarez Távora, da inteiraconfiança do general-presidente, Castello Branco. Geraldo Gayoso,secretário particular do ministro, conduziu ao gabinete um grupo deoito prefeitos da região sul-fluminense, eles queriam verba para concluir aRio-Santos.“Juarez deu um soco na mesa e encerrou a reunião comdois argumentos: primeiro, os prefeitos já estavam servidos pela ViaDutra, pela ferrovia Rio-São Paulo e pelos portos de Santos e do Rio deJaneiro.E, segundo, não respeitavam a origem nordestina do ministro, dointerior cearense, onde não havia estrada nem para a população buscarágua”.Alguns anos depois, a argumentação se revelou frágildiante da sede desenvolvimentista do regime militar, sobretudo doPrograma Nuclear cujas usinas estavam previstas para Angra dos Reis. Aligação rodoviária Rio-Santos deixou de ser reclamação de uns poucosprefeitos e se tornou imposição estratégica.Uma vez aberta, aestrada trouxe o turismo, a ocupação do solo e a explosão imobiliária, para Angra dos Reis, fundada em 1502e que viveu épocas de apogeu no ciclo do ouro e depois no ciclo dacana-de-açúcar, até a libertação dos escravos. Cidade que a partir de 1888, voltou ao sossego natural, interrompidoem definitivo na década de 1950.