O jornalismo e a participação do cidadão

31/07/2009 - 11h21

Paulo Machado
Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - Muitos leitores têmescrito para a Ouvidoria reivindicando novas formas de acesso aosconteúdos da Agência Brasil ou ainda espaçopara que possam publicar seus comentários e opiniõessobre os assuntos tratados nas matérias. A acessibilidade parapessoas com diferentes tipos de deficiência também temsido objeto das mensagens. No canto superioresquerdo desta Coluna há um símbolo, por meio doqual o leitor pode acessar um formulário e enviar seucomentário com críticas e sugestões sobre opresente conteúdo. Experimente. Esse mecanismo deinteratividade foi criado em 2006 quando inaugurado o novo siteda ABr. O símbolo também leva o leitor a saberquais são as ferramentas previstas para interagir com osite e comoutilizá-las, por exemplo, para publicar notícias,fotos, vídeos e áudios em sua página pessoal,além de conhecer alguns dos princípios da comunicaçãopública. Naquela oportunidade,ao licenciar o novo site em Creative Comuns (*), osgestores da ABr davam os primeiros passos para a práticado jornalismo colaborativo que, com o tempo, poderia se transformarem jornalismo participativo. De lá para cá, asferramentas tecnológicas evoluíram muito, mas essaevolução não foi acompanhada pela AgênciaBrasil e a interatividade e a participação docidadão não avançaram. Questõesestruturais e editoriais, mantiveram os leitores como merosreceptores da notícia fazendo a comunicação demão única nos moldes praticados pela mídiaconvencional. A novidade em termos decanais de participação do cidadão foi aimplantação desta Ouvidoria que desde 2007 constitui-seem uma possibilidade real de que a comunicação façao caminho inverso, levando a opinião do leitor àredação. Mas os efeitos práticos dessaparticipação dependem basicamente da boa vontade dogestor de plantão. Alguns jornalistas são refratáriosàs críticas dos leitores e não abrem mãode seu poder de decidir sobre a verdade. Outros já perceberamo quanto esse retorno é importante para saber como o leitorrecebe a informação. Mas ainda estamos longe dojornalismo participativo nas páginas da ABr. O leitor Jairo deAlbuquerque foi um dos muitos que escreveram para a Ouvidoriaprocurando uma forma de manifestar suas opiniões sobre osconteúdos veiculados nas matérias da AgênciaBrasil. Comentando duasnotícias que tratavam da Marcha dos Prefeitos àBrasília o leitor fez uma análise do Sistema TributárioNacional, sugeriu a convocação de uma assembleiaconstituinte para rediscutir o papel do município na Federaçãoe falou até das responsabilidades do município naformulação e execução das políticaspúblicas. Se fosse publicada em um espaço apropriado, amensagem do leitor daria margem a uma importante discussãosobre o tema, principalmente se o referido espaço permitisseque outros leitores contribuíssem com suas opiniões einformações. Seria uma forma da ABr se constituirliteralmente em espaço público que abrigasse o debatedemocrático sobre as questões de interesse nacional.Sobre os comentáriosdo leitor a Agência Brasil respondeu: “É aopinião do leitor. Não creio que seja necessáriaalguma resposta.

Outroexemplo de leitor que gostaria de manifestar sua opinião foidado por Jackson Emanuel que escreveu: “Gostaria do direito deresposta à notícia recentemente publicada sobre as 50ações do governo que visam favorecer a comunidade LGBT.Segue um artigo em anexo, se for possível publicar ficareigrato.” Em seu artigo Jakson defende pontos de vista contráriosàs ações do governo. A Ouvidoria explicou a elenão se tratar de direito de resposta como solicitou, pois nãofoi citado nas matérias, mas sim do direito a opinar sobrepolíticas públicas e portanto contribuir para o debatee a formação da opinião do público. Mas aABr não tem espaço para esse tipo departicipação do leitor. Por ultimo lembramosdas dezenas de mensagens de leitores que recebemos com sugestõesde pautas, abordagens e enfoques, alem de indicações depossíveis fontes para serem ouvidas nas matérias. Sãoleitores querendo ajudar a fazer o jornalismo cidadão,participar da elaboração da notícia e, quemsabe, até fazer a reportagem sobre um determinado assunto.Essas mensagens são encaminhadas pela Ouvidoria para a AgênciaBrasil e a resposta é sempre a mesma: “agradecemos aparticipação do leitor”, ou eventualmente, “vamoslevar em consideração suas observações”.A ABr,além de não ter ferramentastecnológicas que permitam a interação com ocidadão, editorialmente tem reagido a essas mensagens como seao leitor coubesse apenas receber a informação pronta eacabada, pois parece que as sugestões nunca surtem efeitospráticos.

Essas mensagens tambémpodem ser lidas e interpretadas como uma fotografia de um momentohistórico da democracia e da comunicação onde onovo olhar do jornalismo cidadão reivindica transformações – afinal, qual seria o espaço mais legítimo para seafirmar do que na empresa pública de comunicaçãoque tem entre seus objetivos o de inovar e experimentar novas formasde jornalismo e de comunicação? Como dissemos, na mídiaconvencional a relação entre emissor e receptor éuma via de mão única, ou seja, a emissão danotícia é feita apenas pelos jornalistas, e aaudiência, somente recebe a informação, nãosendo portanto, produtor dela. Os jornalistas das mídiasconvencionais compartilham uma cultura da profissão: seguircritérios de noticiabilidade e dos valores-notícia,assim como crenças e percepções própriasdessa comunidade. Na agência pública, até omomento, não observamos diferenças nesses critériose crenças. Contrapondo-se àspráticas liberais do jornalismo convencional, insurge-se nofinal do século passado a noção de jornalismocidadão(**) que parte do conceito de que todos somospotencialmente produtores de informação, desde quedisponhamos dos meios para apurarmos um fato, tratá-loadequadamente e publica-lo. Com a revoluçãotecnológica em curso os meios se diversificam e tornam-seefetivamente disponíveis para mais e mais pessoas a cada dia.A sua propriedade se democratiza à revelia dos poderosos donosdos veículos de comunicação de massa quedetinham o monopólio da informação. Democracia ecomunicação reforçam e reformulam seus vínculose suas práticas. Mais pessoas votam, mais se tornamconsumidores, a consciência crítica se amplia e maisgente quer participar das decisões, inclusive da decisãosobre o que é verdade. Para participar as pessoas se organizame com isso seus argumentos em favor de interesses comuns ou coletivosganham força e faz-se ouvir sua voz. A verdade passa a seruma construção coletiva, negociada e relativa adeterminadas parcelas da sociedade ou a determinados grupos deinteresse. A verdade passa a ser algo tão relativo e complexoque já nem vale a pena procurá-la como algo pronto,acabado, quase divino - entre a verdade absoluta e a relativa hátantas outras verdades quantos são os grupos de interesse. Sãoas visões de mundo que se diversificam e ganham espaçona medida em que já não se pode impor uma verdadeunívoca. Ao jornalismo vale mais a pena descrever o processo,a busca de consensos e dissensos. Ao jornalista cabe o papel dealinhavá-los, mostrando a realidade de uma sociedade em francoprocesso de democratização das decisões e dacomunicação.Por trás dadisputa entre o jornalismo convencional e o participativo, estáa questão do poder – o poder de construir a verdade edizê-la ao público por meio de um veículo de massas, ouseja, o poder da comunicação convencional. Mas atecnologia ao modernizar os meios, chamados agora de plataformasdigitais, também democratizou o acesso a eles. Portanto, acada dia mais e mais pessoas detêm o poder de construir averdade e expor sua visão pessoal de um determinado fato. Doponto de vista pessoal, há jornalistas que encaram essasubversão como uma séria ameaça ao poder que exercem – e, verdadeiramente, o é. Do ponto de vista domodelo de negócios das empresas de comunicaçãoabre-se espaço para que se democratize a sua propriedade –hoje em dia há blogs pessoais mais acessados do que muitasagências de notícias. Isso significa basicamente que osnegócios, que sobrevivem do lucro da venda do conhecimento, dacultura e da informação, podem estar com os diascontados - a propriedade privada desses bens da humanidadesobreviverá à democracia e à revoluçãotecnológica? Começamos efetivamente a questionar a quempertence a informação e o papel do jornalista frente aela. Até a próximasemana. (*) - CreativeCommons é uma organização sem finslucrativos criada em 2001 com o intuito de democratizar e regular atroca e a utilização de conteúdos,flexibilizando as regras de copyright. Por meio de uma licençaCreative Commons qualquer pessoa pode determinar as regras deutilização dos próprios conteúdos. Alicença adotada pela Agência Brasil é a 2.5, amais ampla proposta pelo CreativeCommons. (**) – jornalismocidadão: uma idéia de jornalismona qual o conteúdo (texto+ imagem + som+ vídeo)é produzido por cidadãossem formação jornalística, em colaboraçãocom jornalistas profissionais. Esta prática se caracterizapela maior liberdade na produção e veiculaçãode notícias,já que não exige formação específicaem jornalismo para os indivíduos que a executam. Disponívelem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornalismo_cidad%C3%A3o