Lattes deveria ter ganho o prêmio Nobel, diz ex-ministro da Educação

09/03/2005 - 18h32

Liésio Pereira
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – O secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo e ex-ministro da Educação, José Goldemberg, formou-se em Física quatro turmas depois do cientista César Lattes, no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Os dois conviveram durante o período em que lecionaram no instituto e, segundo Goldemberg, o relacionamento era de respeito e admiração. Goldemberg considera Lattes o primeiro "produto nacional" na área da Física. "Brilhante em alguns momentos e extremamente impaciente em outros". Em entrevista à Agência Brasil, o secretário destaca a importância de César Lattes para a ciência, suas descobertas – como as partículas mésons pi – e lamenta: "Ele deveria ter ganho o Prêmio Nobel".

Agência Brasil – Qual a importância do trabalho do César Lattes para o Brasil e para o mundo?
José Goldemberg – Cesar Lattes colocou o Brasil no cenário internacional da Física, isso há cinqüenta anos. Até então, a Física era uma ciência incipiente aqui no Brasil. Antes dele, havia os professores estrangeiros, que foram trazidos pelo governador Armando Salles de Oliveira quando a USP foi criada. Lattes foi realmente o primeiro "produto nacional". Lattes é o primeiro brasileiro que foi efetivamente resultado da escola de Física da Universidade de São Paulo. Ele se formou em uma turma quatro anos antes da minha, de modo que não fui colega de classe dele. Lattes era muito talentoso e colocou o Brasil no mapa internacional da Física.

Abr – Apesar dele ter se formado antes, o senhor teve uma convivência com ele, não foi?
Goldemberg – Sim, mais tarde, quando nós éramos professores do Instituto. Como toda pessoa com traços de genialidade, ele tinha oscilações. Era brilhante em alguns momentos e extremamente impaciente em outros. É uma coisa comum em cientistas, como é com artistas em geral. Ele não era uma pessoa muito fácil para se trabalhar, o que não tirava, absolutamente, o brilho das suas contribuições e idéias.

Abr – Por falar em contribuições, em que área da Física o senhor pensa que houve a maior contribuição dele?
Goldemberg – O nome genérico é raios cósmicos, era o que ele estudava na época, mas no fundo é a estrutura íntima da matéria. Nesse trabalho que o tornou famoso - feito na Universidade de Berkeley - foram produzidas partículas nucleares que não eram conhecidas até então. Foi uma descoberta nova porque antes desse grupo [de que Lattes fez parte] trabalhar, havia prótons, elétrons e neutros, mas não havia mésons pi [partícula relacionada à estabilidade do núcleo dos átomos e, por conseqüência, com a produção da energia nuclear]. Esses mésons foram fabricados no laboratório em Berkeley.

Abr – Qual a principal lacuna que Lattes deixa para o país?
Goldemberg – A principal lacuna é a inspiração, porque ele acabou se tornando uma fonte de referência. Desde então, a Física e a ciência brasileira se expandiram extraordinariamente, em parte pelo prestígio que Lattes deu a esse tipo de atividade no Brasil. Nos últimos anos, ele não era uma pessoa tão ativa cientificamente, mas sempre uma referência de qualidade. Não bastava uma pessoa dizer que tinha feito um trabalho maravilhoso porque as pessoas imediatamente comparavam com o trabalho do Lattes, que era de primeira grandeza. Aliás, sobre isso acho ele foi injustiçado, porque deveria ter ganho o prêmio Nobel com o professor que trabalhou na Universidade de Berkeley [Eugene Gardner].