Lana Cristina
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Num cenário de aumento de demanda por alimentos e crescimento populacional, o Brasil dispõe de uma área que pode responder não só por mais produção de grãos, mas também como fonte de biodiversidade, o cerrado. É o que prova o trabalho das pesquisadoras Ieda Mendes e Leide Miranda de Andrade, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Unidade Cerrados.
A palestra, apresentada hoje na abertura do 10º Congresso de Iniciação Científica da Universidade de Brasília (UnB), mostrou a importância do aprofundamento das pesquisas sobre o cerrado brasileiro, não só ligadas ao desenvolvimento agrícola, mas também à conservação ambiental.
A produtividade de grãos na região dos cerrados aumentou nos últimos 15 anos, graças à pesquisa. "Com a tecnologia de 15 anos atrás, seria necessário uma área do tamanho de São Paulo para produzir a mesma quantidade produzida hoje", exemplifica Ieda Carvalho.
Segundo a pesquisadora, que conduz estudos sobre a presença de microorganismos no solo como indicadores de qualidade, as médias de produtividade do feijão, do milho, da soja e do trigo no cerrado são maiores que a produtividade nacional para as mesmas culturas.
O principal desafio da pesquisa brasileira em relação ao cerrado foi o manejo do solo. Carente de nutrientes em geral, como fósforo, potássio, cálcio e magnésio, o solo do cerrado é ácido. Foi a correção com calcário e gesso que deixou o solo mais preparado para o plantio.
Outro problema que a pesquisa resolveu foi a pequena capacidade do solo do cerrado em fixar o nitrogênio. Elemento essencial à formação de clorofila, o nitrogênio está presente no ar e, ao se fixar nas raízes das plantas faz com que elas cresçam melhor. Pesquisadores da Embrapa Cerrados usaram uma técnica já conhecida desde o século 19, a fixação de nitrogênio com o uso de bactérias conhecidas como rizóbio, para chegar a uma tecnologia eficiente e barata.
Hoje, os produtores de soja não usam mais o adubo nitrogenado, que além de caro, é um dos mais poluidores. A um custo de R$ 6 por hectare, o produtor compra o inoculante com rizóbio, que produz nódulos nas raízes da leguminosa, onde o nitrogênio fica em atividade. Por ter substituído 100% da adubação nitrogenada, um processo químico, o Brasil economiza anualmente US$ 3 bilhões.
Também está na região dos cerrados a maior área com potencial agrícola do país. São 101 milhões de hectares que podem ser cultivados, num total de 170 milhões de hectares em potencial que o país dispõe. O Brasil produz alimentos em 47 milhões de hectares, sendo que desses 14 milhões de hectares estão nos cerrados.
De acordo com Ieda Mendes, nem é preciso expandir a fronteira agrícola no cerrado para aproveitar inicialmente seu potencial. "Entre 60% a 70% das pastagens dos cerrados estão em algum estado de degradação. Isso poderia ser utilizado para plantio", sugere a pesquisadora. Ieda calcula que a área sub-utilizada por uma pecuária sem uso de tecnologias adequadas e, portanto, predatória do solo, seja de 25 milhões de hectares. "É uma área que já está desmatada. Com técnicas já desenvolvidas, poderia ser recuperada e destinada à produção de alimentos", estima.
Além da importância econômica com a crescente produção agrícola, as pesquisadoras mostraram também a alta biodiversidade dos cerrados e justificaram a importância de projetos de pesquisa que visam à conhecer o potencial das espécies nativas e a necessidade de preservação das matas. "26% da biodiversidade do cerrado está nas matas de galeria e os produtores ainda desmatam muito, seja para plantar próximo dos rios, onde o solo é mais fértil, ou mesmo para extrair madeira", lamenta a pesquisadora Leide de Andrade.
As pesquisadoras da Embrapa Cerrados relataram que há um programa conduzido na unidade de pesquisa, desde a década de 90,para aproveitamento econômico de espécies nativas. Para Leide e Ieda, a conservação ambiental nos cerrados merece mais atenção, não só pela sua biodiversidade em si, mas pela influência em outros biomas do que acontece nos seus limites. É o caso da vazão de algumas bacias que dependem do volume de chuva na região do cerrado. "46% da bacia do São Francisco está na região do Cerrado. Além disso, é no Cerrado que nascem as três principais bacias do país, Tocantins, Amazonas e Paraná/Paraguai", informou Ieda.
Ieda e Leide enfatizaram que o cerrado pode ser fonte de mais alimentos, inclusive fazendo frente ao cenário de escassez que se registra no mundo, sem a destruição de sua biodiversidade. "Basta continuar investindo em pesquisa e em transferência de tecnologia", afirmou Ieda.