Sardenberg 4: segundo embaixador, reforma da ONU pode ser concluída em 2005

19/09/2004 - 14h17

Paula Menna Barreto
Enviada especial à Nova York

Leia a quarta parte da entrevista com Ronaldo Sardenberg, embaixador brasileiro junto às Nações Unidas. Abaixo, Sardenberg fala sobre a reforma da ONU, sobre o trabalho da diplomacia brasileira para garantir ao país um assento permanente no Conselho de Segurança, sobre a posição do Brasil com relação ao terrorismo, entre outros temas.

Outros trechos da entrevista

  • Sardenberg 1: Brasil espera que 109 delegações participem de reunião contra a fome
  • Sardenberg 2: relação que envolve Brasil e América Latina é "fraterna"
  • Sardenberg 3: Evento no fim de 2005 vai discutir execução das metas do milênio

    Abr: Como é o trabalho junto às Nações Unidas? O senhor tem o Conselho de Segurança, a reforma da Assembléia-Geral.

    Ronaldo Sardenberg: O trabalho não é meu apenas. Nós temos uma delegação permanente. Nossa missão é permanente. Nós temos na ordem de 18 diplomatas trabalhando, inclusive o meu alterno, meu substituto, meu segundo, que é o embaixador Henrique Vale, e nós trabalhamos todos os dias de uma maneira descentralizada, participamos às vezes de sete, oito reuniões no mesmo dia. Às vezes não, rotineiramente até, normalmente. E nós procuramos centrar nossa atenção naquelas questões que realmente são importantes para o Brasil, mas não apenas para o Brasil. Também para o resto do mundo. Nós não pensamos exclusivamente no Brasil, não temos assim aquele egoísmo realmente forte, agudo. Nós temos uma atitude também de que o Brasil é parte da humanidade, o Brasil é parte do mundo. Quer dizer que os problemas dos outros são também nossos problemas.

    Abr: E quais são os problemas do Brasil e do Mundo?

    Sardenberg: Bom, nesse campo, hoje em dia, quais são os problemas que nós temos? Nós temos, em primeiro lugar, a reforma da Organização como um todo, e a reforma do Conselho de Segurança. Para que? Para adaptar a Organização, para fazer a Organização mudar, para poder responder aos problemas atuais. A Organização foi fundada em 1945 com uma carta importante e fundamental que nós prestigiamos, mas é preciso que seu funcionamento, seus mecanismos mudem. E mesmo o seu foco de atenção em certos casos mude. Segundo a ordem de idéias, é a ordem econômica e social. E está nisso aí a declaração do milênio, e inclusive o esforço de fome e pobreza que é o carro chefe, que é o carro principal neste momento que nós assim achamos correto. E a terceira, é a questão que está cada vez mais forte na cena internacional, que é a questão do terrorismo.

    Abr: Qual é a posição brasileira com relação ao terrorismo?

    Sardenberg: A nossa Constituição é contra o terrorismo, até mesmo a nossa Constituição, uma das poucas Constituições do mundo que tem uma menção ao terrorismo. E nós trabalhamos nesse sentido, de procurar que haja uma percepção do problema, que haja combate ao terrorismo, mas que esse combate se faça dentro da lei, dentro do direito internacional. Não se trata de algo que possa se processar fora do direito internacional, que não esteja enquadrado pelo direito internacional, pelos direitos humanos, inclusive de maneira que nós colocamos esse ponto, quer dizer, então é uma mescla de questões que são muito próximas a nós, como as duas primeiras e com questões que preocupam grande parte do mundo que é a última questão, o terrorismo, essa mescla. No Brasil nós não temos terrorismo, felizmente.

    Abr: E participação do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança?

    Sardenberg: Nós esperamos na realidade que esse processo de reforma do Conselho de Segurança que inclui a criação de novas posições de membros permanentes se conclua no ano que vem, 2005. Você está vendo que 2005 vai ser um ano dramático. Nós vamos trabalhar com a declaração do Milênio, sua implementação, com a questão da reforma do Conselho, o 60º aniversário das Nações Unidas.

    ABr: As Nações Unidas vão mudar depois de sessenta anos?

    Sardenberg: Nós esperamos que esse processo (de reforma da ONU) se conclua até o ano que vem. Todo esse é o sentido do trabalho que está sendo realizado agora. Essa é a grande novidade: que a reforma possa ser concluída no próximo ano. Não se tinha isso. Hoje se tem. Porque houve uma série de mecanismos que foram criados, inclusive o mecanismo que foi criado pelo secretário-geral para preparar as recomendações, as sugestões, por parte de peritos de alto nível, inclusive o embaixador Baena Soares, que é o embaixador brasileiro que está nesse grupo. Isso ocorrerá em dezembro desse ano. Quer dizer, o processo começa a se acelerar fortemente a partir de dezembro, mas já está na rua. Anteontem mesmo, o Brasil e o Japão firmaram uma declaração em que manifestaram o seu apoio um ao outro para cadeiras como membros permanentes do Conselho de Segurança. O presidente da República e o primeiro-ministro do Japão chegaram a esse acordo, de maneira que esse é o trabalho que está sendo feito nesse campo, e como ocorre com o Japão, o processo de apoio, isso ocorre de diferentes maneiras com outros países também. Nós estamos fazendo o mesmo com outros países.

    Abr: Na reforma da Assembléia, existe algum comentário, algum assunto, contra a participação americana? Hoje se discute muito da falta de apoio do governo Bush com o Conselho. Como é que isso está sendo visto, a participação americana?

    Sardenberg: Olha, isso é um processo político como em qualquer outro. Nós entendemos que a posição americana hoje é essencialmente de muita reserva. Eles não estão se manifestando, mas nós sabemos que os EUA, como qualquer outro país do mundo, têm interesse em um Conselho que seja eficaz. E um Conselho que, para ser mais eficaz, terá que ser mais representativo. Então não é fato que os EUA não queiram um Conselho representativo. A evolução natural da situação os levará, eu acredito, a apreciar esse lado do problema. Esse lado de que há um Conselho em que estejam sentados como membros permanentes países que realmente têm o que fazer e o que dizer na presente fase internacional. É importante que sejam representativos de suas regiões. E os países que têm sido considerados como membros permanentes são claramente muito representativos.