São Paulo, 14/6/2004 (Agência Brasil - ABr) - Depois de uma manhã dedicada ao multilateralismo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a tarde de hoje em encontros bilaterais com chefes de Estado latino-americanos. Lula conversou com os presidentes do Paraguai, Nicanor Duarte Frutos; da Bolívia, Carlos Mesa; e do Uruguai, Jorge Batlle. As reuniões trataram exclusivamente de assuntos relativos à cooperação entre o Brasil e estes países.
No começo da noite, o secretário-executivo do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, fez um resumo dos principais temas abordados nas reuniões.
Com Nicanor Frutos, Lula falou de questões prioritárias como a construção da segunda ponte entre Brasil e Paraguai e da rodovia até Porto Castilho, segundo Guimarães, questões de alta prioridade para os dois países. Outro assunto tratado foi o apoio a investimentos brasileiros no Paraguai por meio de um mecanismo de crédito fiscal a empresas brasileiras que venham a investir naquele país.
A reunião com Carlos Mesa foi da grande ênfase, segundo o secretário, aos projetos de integração da infra-estrutura, não apenas na questão da energia mas também em assuntos como o pólo gás-químico na fronteira entre os dois países e a construção das termoelétricas de Cuiabá. Também se falou na construção da estrada entre Porto Soares, na Bolívia, e o Pacífico.
De acordo com Samuel Guimarães, o presidente Mesa manifestou sua satisfação com o desempenho do governo brasileiro em questões relativas à mediterraneidade e reiterou a idéia de que esta questão deve ser tratada dentro de um contexto de integração sul-americana.
Mesa também manifestou satisfação com relação ao perdão da dívida boliviana com o Brasil. "As tratativas estão praticamente encerradas", garantiu o secretário. De acordo com o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, falta apenas marcar uma data para que o presidente Lula vá à Bolívia assinar os atos que formalizam o perdão da dívida boliviana.
O presidente da Bolívia ainda aproveitou o encontro para solicitar aceleração nos procedimentos de regularização da presença de cidadãos brasileiros no Brasil.
Jorge Batlle salientou a importância da participação do Brasil, e uma eventual participação do Uruguai, nas forças de paz da ONU no Haiti, enfatizando ser fundamental o apoio firme dos países desenvolvidos para a reconstrução econômica e social do Haiti. Batlle ainda se referiu à possível candidatura , para a Organização Mundial do Comércio, do embaixador uruguaio Carlos Perez Del Castillo.
Em questões de infra-estrutura, Batlle mencionou a ligação do Uruguai com Garabi (RS), por meio da construção de uma linha de alta tensão de 1000 megawatts que já estaria praticamente acertada. O governo uruguaio financiaria a obra, de acordo com Guimarães.
Lula encerrou a agenda na Unctad com o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan. A reunião voltou aos temas multilaterais. Segundo Marco Aurélio Garcia, o presidente Lula deu ênfase à reunião de 20 de setembro, em Nova Iorque, para discussão sobre a formação de um fundo de combate à fome e à pobreza. Também foram examinados temas da situação internacional.
"O presidente Lula tem insistido que hoje as questões de segurança não podem ser separadas das questões relacionadas com a miséria. Ele diz que a fome é hoje a principal arma de destruição em massa", lembrou o assessor da presidência.
Cooperação Sul-Sul
O presidente Lula chamou a atenção para a importância da cooperação entre os países do Sul como alternativa às relações Norte-Sul. "A nova geografia não se propõe substituir o intercâmbio Norte-Sul. O Norte desenvolvido continuará sendo parceiro valorizado e indispensável. Temos plena consciência de sua importância como destino para nossas exportações e como fonte de investimentos e tecnologia de ponta. Queremos, porém, criar novas oportunidades e encorajar parcerias que explorem as complementaridades entre as economias do sul", falou Lula na abertura do painel "A Nova Geografia do Comércio: Cooperação Sul-Sul em um mundo cada vez mais independente".
Lula lembrou que em meados dos anos 80 os países do Sul respondiam por 20% do comércio global. Hoje, esta participação já é de 30%. Mais importante que isto, segundo o presidente, é o fato de que os produtos manufaturados representavam apenas 20% das exportações dos países do sul em 1980. Em 2000, passaram para 70%. " Estamos aprendendo a agregar valor a nossas riquezas naturais e ao trabalho de nossos braços", discursou. Ele lembrou, ainda, que enquanto o comércio mundial cresceu 5% ao ano na década de 90, o comércio Sul-Sul, no mesmo período, apresentou incremento anual de 10%.
Já o presidente do Uruguai, Jorge Batlle, aproveitou o encontro entre chefes de estado para fazer uma crítica à Unctad. "Acreditamos que nestes 40 anos a Unctad poderia ter sido muito mais proveitosa do que realmente foi se tivesse seguido o ritmo de quando foi criada", avaliou. Ele também criticou a falta de políticas integradas entre os diferentes organismos da ONU". "As Nações Unidas não estão globalizadas. Não temos uma ação conjunta entre OIT (Organização Internacional do Trabalho), OMC (Organização Mundial do Comércio), Banco Mundial, Unctad. Os esforços permanecem isolados", alertou.
Segundo Batlle, neste contexto é imprescindível que os países em desenvolvimento não se afastem. "Devemos fazer algo para criar os meios de infra-estrutura necessários para que os países façam o que têm de fazer. Como podemos dizer se as condições de comércio vão melhorar os países em desenvolvimento se muitos deles não têm condições mínimas?", indagou.
O presidente do Paraguai, Nicanor Frutos, fez uma crítica pesada às inúmeras reuniões entre os países em desenvolvimento."Até agora, passamos de reunião em reunião, parecendo disco arranhado. Temas como os subsídios agrícolas são recorrentes", criticou Frutos, que falou logo após os discursos do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e do presidente do Uruguai, Jorge Battle."A globalização, no ritmo que vai, só vai causar revolta", disse ainda Frutos..
O último a discursar foi o presidente boliviano. Carlos Mesa reforçou a importância da cooperação sul-sul. "É necessário um processo de transferências tecnológicas e trocas enriquecedoras que não se dão na relação Norte-Sul, entretanto temos que entender as diferenças entre os países do Sul", disse Mesa. "Não podemos perder de vista que o tamanho da economia de muitos países do sul está mais próximo de países desenvolvidos", alertou.