São Paulo - O juiz João Carlos da Rocha Mattos passou grande parte do seu depoimento à CPI da Pirataria, hoje, na Assembléia Legislativa de São Paulo, falando sobre outro assunto: a apreensão das fitas do caso Celso Daniel, ex-prefeito de Santo André, SP, assassinado em 2002. Preso na Operação Anaconda sob a acusação de comandar um esquema de venda de sentenças, o juiz declarou hoje que, por duas vezes, teve acesso às fitas, mas, "por preguiça", ouviu apenas pequenos trechos. O que sabe, disse, ouviu de sua ex-mulher, Norma Regina Cunha.
O juiz acusou a Polícia Federal de ter sumido com as fitas durante investigação para apurar o suposto envolvimento de Rocha Mattos na venda de sentenças. "Eu acho que a diligência foi aproveitada para sumir com as fitas".
Rocha Mattos havia mandado destruir as fitas, em 2002, porque a autorização para o grampo havia sido concedida para investigar tráfico de drogas e não o assassinato do ex-prefeito.
A assessoria de imprensa da PF informou que não se pronunciaria sobre o depoimento feito hoje por Rocha Mattos. Mas repetiu a nota divulgada em fevereiro, dizendo que "mais uma vez o Departamento de Polícia Federal refuta a veracidade da declaração. A Polícia Federal reitera que não foram apreendidas quaisquer fitas ou cópias relacionadas ao caso de Santo André. E adverte que a tese de extravio ou desaparecimento das cópias somente serve à defesa do réu Rocha Mattos, que busca dar uma conotação política a uma investigação criminal".
A PF explica na nota que "o cumprimento do mandado de busca e apreensão foi executado na presença de um representante do Ministério Público Federal, e que todo o material apreendido encontra-se descrito em um Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão e encaminhado à desembargadora federal, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Terezinha Cazerta, relatora do Inquérito Anaconda".
Rocha Mattos já havia falado das fitas em novembro do ano passado, durante depoimento aos promotores de Santo André que investigam o assassinato do então prefeito Celso Daniel. Na ocasião, ele disse que, apesar de ter ordenado a destruição das fitas, teria recebido uma cópia delas do Departamento de Inquérito Policial (Dipo).
Durante o seu depoimento, de mais de quatro horas, Mattos também deu declarações sobre sua suposta relação com o contrabandista Roberto Eleutério da Silva, o Lobão. Mattos liberou caminhões da transportadora Búfalo Branco, que foram apreendidos com contrabando de cigarros. A empresa pertenceria a Lobão, mas estaria em nome de "laranjas". "Não liberei os caminhões. O que permiti foi que se fizesse um fiel depósito. Eu faço isso em todos os meus casos" (por esse dispositivo, o dono do bem pode utilizá-lo enquanto o processo não é julgado).
O juiz também negou ter relações com Sandor Paes, que cuidava das remessas de dinheiro de contrabandistas para o exterior. No entanto, Paes é testemunha do contrato de separação de Mattos e Norma.
O juiz acusou o governo de estar usando o seu caso para conseguir aprovar a Reforma do Judiciário. O relator da CPI, deputado Josias Quintal (PMDB-RJ), diz que havia expectativa de novas denúncias sobre outros casos de corrupção. "Em conversas reservadas, Rocha Mattos tinha dito que faria acusações contra outros membros do Judiciário. Por algum motivo, ele não quis ou não pôde falar". O presidente da CPI, deputado Luiz Antônio de Medeiros, se disse "convicto de que alguns criminosos têm proteção em várias esferas, inclusive na Justiça".
A advogada de Rocha Mattos, Daniela Pellin, disse que, "depois de dez anos sem conseguir provar nada contra o Juiz, só posso concluir que a questão é pessoal". Segundo a advogada, Mattos é atacado por tomar decisões polêmicas, que vão contra a os "procedimentos jurisprudenciais" e por não esconder de ninguém sua opinião sobre o caráter de outros magistrados.
(Pedro Malavolta e Arthur Braga)