Brasília, 16/12/2003 (Agência Brasil - ABr) - Homens jovens e adultos, extremamente carentes, analfabetos, sem documentos, cujo único capital que têm a oferecer é a força bruta. Esse é o perfil do trabalhador escravo brasileiro. Segundo um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), essas pessoas realizam principalmente atividades de desmatamento e derrubada da floresta Amazônica para o plantio de pastos, o comércio da madeira ou para atividades agrícolas. O estudo mostra ainda que são homens honrados que acreditam ter uma dívida com o empregador e passam meses trabalhando na esperança de um dia receber. Normalmente aliado a isso, ainda existem também presença de guardas armadas que impedem a fuga dessa fazenda.
"É uma situação extrema, que precisa ser combatida", defendeu a coordenadora nacional do Programa de Combate ao Trabalho Escravo da OIT, Patrícia Audi.
Somente neste ano, já foram resgatados do regime de escravidão mais de 4.800 trabalhadores. Pará e Bahia foram os estados onde mais foram encontradas pessoas vivendo nesta situação. Segundo o coordenador Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, Luís Antônio Camargo de Melo, foi encontrado no oeste da Bahia um novo foco de exploração. Em operações realizadas entre julho e setembro mais de mil trabalhadores foram resgatados na região.
Apesar do grande número de resgates, a OIT comemora a posição brasileira no combate ao trabalho escravo. "Nunca houve tantos resgates quanto no ano de 2003, o dobro do ano passado, e nunca foram apresentadas tantas denúncias criminais e realizadas tantas prisões preventivas e temporárias com relação ao trabalho escravo como neste ano", comemorou Patrícia Audi. "Por isso a OIT considera que a atuação do Estado brasileiro tem sido importante e já pode ser considerada uma referência internacional", ressaltou.
Ela chamou a atenção também para o lançamento do plano de erradicação do trabalho escravo, da criação da Frente Parlamentar de Erradicação do Trabalho Escravo, na Câmara dos Deputados, e das varas itinerantes para o combate ao trabalho escravo e atuação em locais que a justiça antes não chegava. Destacou também a divulgação da lista "suja" do governo com 52 empresas que utilizavam mão de obra escrava e agora não podem mais receber financiamento público.
Além do resgate do trabalhador escravo, Audi ressaltou a importância de serem implantadas medidas de repressão ao crime e reinserção social do trabalhador. "Aí sim, nós falamos de erradicação", ressaltou. Patrícia informou que a OIT está com um projeto para implantar programas de reinserção social dos trabalhadores em dois municípios brasileiros, que ainda serão escolhidos. A Campanha de Erradicação ao Trabalho Escravo também será lançada em estados onde a situação é mais crítica. Este ano, o lançamento foi no Pará e para 2004 a campanha será realizada em Minas Gerais, Mato Grosso e Maranhão.
Um balanço da atuação contra o trabalho escravo no país foi realizado nesta terça-feira (16) por representantes das Procuradorias Regionais do Trabalho. Para o próximo ano, o Coordenador Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, Luís Antônio Camargo de Melo, adiantou que o Ministério Público do Trabalho quer interiorizar a instituição como forma de ampliar o atendimento a trabalhadores submetidos à escravidão. "Para nós é imprescindível que os procuradores desenvolvam as suas atividades cotidianas nos municípios do interior porque é lá que encontramos principalmente estas denúncias de forma mais grave, mais contundente", disse.
O Ministério Público tem representações hoje em todas as capitais brasileiras, exceto no Acre, Amapá e Roraima. Possui representação em apenas três cidades brasileiras (Campinas, Bauru e Maringá). Segundo Camargo, os primeiros locais a serem instaladas novas representações serão nas três capitais no norte do país e nos municípios onde a incidência do trabalho escravo é grande, como Marabá, no Pará.
Segundo ele, está prevista para 2004 a instalação de 100 representações do Ministério Público do Trabalho em todo o país. Para preencher o quadro será realizado um concurso público para procurador do trabalho com 150 vagas.
O trabalho escravo não é encontrado apenas no campo e em fazendas. Em São Paulo já foi detectada a situação. Embora ainda seja desconhecido, existe na grande capital. "São situações graves também que nós não temos ainda o conhecimento muito profundo", disse Patrícia Audi. E segundo ela, envolve imigrantes ilegais, na maior parte das vezes bolivianos, que se deixam escravizar por donos de confecções em São Paulo, normalmente de procedência coreana. Ela contou que homens, mulheres e crianças, chegam a ficar dias e meses trabalhando nos porões sem poder sequer sair às ruas amedrontados pelos patrões. "Essas pessoas têm a sua liberdade cerceada quando tem seus documentos retidos e são ameaçados de serem denunciados e extraditados para o seu país", explicou.