Carolina Gonçalves
Repórter da Agência Brasil
Brasília - As recentes denúncias sobre o tratamento inadequado de crianças e adolescentes usuários de drogas, em quatro abrigos do Rio de Janeiro, reacendeu a antiga polêmica em torno do modelo ideal de tratamento. De um lado, alguns especialistas temem o retorno do modelo manicomial para usuários de drogas. De outro, psiquiatras e representantes do governo justificam a necessidade da internação involuntária.
Para alguns especialistas, o tratamento involuntário de crianças e adolescentes usuários de drogas, como do crack, é uma alternativa legal necessária. O psiquiatra Marcelo Ribeiro, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que a internação involuntária é a saída para algumas situações em que o usuário de droga perde o discernimento e a capacidade de decisão.
“O que existe é uma parcela de pessoas que tem problema agudo com a droga. Nesses casos a internação, compulsoriamente ou voluntariamente, salva vidas”, disse ele, acrescentando que a medida é “um dispositivo de saúde publica importante, mas tem diferenciação.”
O professor critica o tempo e as condições com que a alternativa tem se caracterizado. Ribeiro afirma que o tempo de internação não pode se prolongar por meses, como o que foi constatado nas unidades no Rio.
“No Rio de Janeiro as crianças ficam meses. Em relação a isso, sou contrário. Mas, aquilo não é internação compulsória, é serial killer a manutenção de uma pessoa internada e ficar lá durante meses”, avaliou.
A medida foi adotada no Rio de Janeiro em maio do ano passado, sob fortes críticas de movimentos ligados aos direitos da infância e aos direitos humanos. Na época, representantes do governo da capital fluminense argumentaram que a ação do Poder Público tinha como objetivo garantir a integridade física dos jovens. A justificativa foi respaldada, inclusive, em artigos do Estatuto da Criança e Adolescente, que asseguram o direito à vida e à integridade física. Para o governo local, seria inadmissível permitir que crianças e adolescentes usuários de crack continuassem nas ruas, vulneráveis à prostituição e outros crimes sem que as autoridades agissem.
A internação compulsória está presente também em Belo Horizonte e em São Paulo.
O especialista em psiquiatria pela Universidade de Londres ainda contrapõe às correntes críticas quando se trata do financiamento das comunidades terapêuticas. “É um espaço de internação baseada no convívio, muitas vezes com viés espiritual. Este modelo também salva vidas para alguns pacientes. Às vezes, viver um período em uma comunidade com estrutura e regras é importante”, explicou.
O presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Arles Gonçalves Júnior, explica que a internação compulsória está prevista em lei nacional [Decreto 891, de 1938] e independe da decisão dos governos locais. Segundo ele, o Poder Público tem o dever de “salvar a vida”. Mas a defesa do advogado limita-se, segundo ele mesmo, à questão jurídica.
“O país não tem condições de oferecer este serviço hoje. A saúde pública precisa se estruturar para atender, de forma digna, estas pessoas. Não posso pactuar com esta postura de pegar as pessoas à força e internar onde não vai ter o tratamento correto”, disse, destacando a falta de vagas para atendimento.
A alternativa apontada pelo advogado para que o Estado ofereça condições adequadas de tratamento seriam parcerias com a iniciativa privada. “E tem que fiscalizar para que não haja desvio de dinheiro e para que o tratamento aconteça realmente. O problema é que apesar de estar nas leis, os órgãos não fiscalizam.”
Para o coordenador da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, Pedro Paulo Bicalho, o que tem acontecido onde existe a política de internação compulsória é uma “atitude de recolhimento com a máscara do acolhimento.”
Edição: Carolina Pimentel