Marco Antonio Soalheiro
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O democrata BarackObama, que será empossado amanhã (20) na Presidência dosEstados Unidos, necessitará de uma gestão audaciosaante o desafio de oferecer alternativas de superaçãopara uma das mais graves crises econômicas enfrentadas pelopaís e também de promover um salto de qualidade nasrelações multilaterais da superpotência. Aavaliação é do ministro de Assuntos Estratégicosdo governo brasileiro, Roberto Mangabeira Unger, conhecedorda cultura norte-americana, da personalidade de Obama – o democratafoi aluno de Unger na Universidade de Harvard – e de boa parte daequipe de auxiliares do novo presidente. Em entrevista exclusiva à AgênciaBrasil, Unger analisou a dimensão da crise, a composiçãoda equipe e o projeto de governo de Obama. Segundo o ministro, ajulgar pelas idéias dos principais colaboradores anunciados, ogoverno de Obama tenderia a uma trajetória “muitoconvencional”. Entretanto, o professor acredita que o ex-aluno seráimpelido a intervir e a garantir arrojo condizente com as expectativasdespertadas na sociedade americana e mundial. “A crise é uma grande aliada daimaginação. As pessoas que costumam aflorar ao primeironível do mundo raramente são pessoas muitoauto-questionadoras. Geralmente acham que já sabem, mas nãosabem, como a crise demonstrou. O presidente eleito teria que forçara barra. Ele tem dito publicamente: 'não se preocupem semuitos de meus colaboradores não parecem visionários,que eu providenciarei a visão'”, assinalou Unger. Em visita aos EUA na última semana, Ungerapurou seis diretrizes já definidas no programa de governo deObama: regular os mercados financeiros; adotar políticasfiscais e monetárias expansionistas; usar o poder do governofederal para aumentar a cobertura dos seguros privados de saúde;fomentar o uso de energias renováveis e tomar uma posiçãomais avançada em relação às mudançasclimáticas; respeitar mais o multilateralismo nas relaçõesinstitucionais e o “poder suave” em relação aopoder duro da intervenção militar; retirar tropas doIraque e colocá-las no Afeganistão.“É um projeto muito circunscrito, dada aamplitude das frustrações e aspiraçõessuscitadas no país, neste momento de inflexão. O paísestá fervilhando em baixo e vai querer mais. O presidente, queé um homem sereno e cauteloso, mas também apreciador daimaginação, vai oscilar entre o horizonte programáticorestrito dos colaboradores e a impaciência do país porum programa mais audacioso”, ressaltou Unger. O ministro define a atual crise econômicavivida nos EUA como a mais forte sofrida desde a grande depressãodo século 20. A perspectiva de adoção depolíticas monetárias e fiscais expansionistas évista com ressalvas por ele. “Essas políticas expansionistas surtirãopoucos efeitos ou efeitos perversos, se não forem adotadas numcontexto de superação dos desequilíbrios naeconomia do mundo, entre países superavitários emcomércio e poupança, a começar pela China, epaíses deficitários em comércio e poupança,a começar pelos EUA. O primeiro efeito das políticasexpansionistas é agravar o mal que produziu a crise: mais fomedo consumo e de importação.”Na visão de Unger, a política deregulação dos mercados a ser imprimida pelo governo deObama deve ser implementada com um dos elementos de um projetomaior, que seria o da reconstrução das relaçõesentre as finanças e a produção, com umareorganização das instituições quemobilizam a poupança de longo prazo para investimento naprodução.“Do jeito pelo qual se organizam hoje aseconomias de mercado, a produção em larga medida seautofinancia por meio dos lucros retidos das empresas. Todo aqueledinheiro que está nos bancos seria teoricamente para financiara produção, mas, na realidade, a maior parte nãoé. Isso teria que mudar de forma que, ao recuperar o nívelde atividade econômica, também se ampliasse asoportunidades”, argumentou o ministro. Unger não acredita em reaçãonegativa da sociedade americana a uma postura intervencionista que,em certa medida, deverá marcar o governo de Obama. O ministroimagina uma coordenação estratégica entre Estadoe empresas, nos moldes do que ocorreu com sucesso na economiaamericana durante a Segunda Guerra Mundial. “O ponto forte da cultura pública dosEstados Unidos não é a devoção àlivre inciativa, mas a devoção à flexibilidadeinstitucional. Os americanos têm seus preconceitosdoutrinários, mas, quando precisam, mudam de roupa com grandedesembaraço”, defendeu Unger. “O velho conflito ideológicoentre estatismo e privatismo, que dominou o mundo por dois séculos,está morrendo. Não se torna uma economia de mercadomais inclusiva sem reconstruir as instituições que adefinem. O problema está em como reconstruir o mercado”,acrescentou.