Especialista em saúde da família ainda é raro em equipes que atuam em comunidades

08/08/2008 - 6h28

Ana Luiza Zenker
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Das quase 28,5 mil equipes que atuam na Estratégia Saúde da Família (ESF) no Brasil, somente 1,5 mil têm um médico especializado em saúde da família e da comunidade. É o que afirma a diretora do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, Claunara Mendonça.Apesar de esse tipo de especialização já ser reconhecida e de existir cursos de pós-graduação na modalidade de residência médica em saúde da família, ela acredita que é necessário mudar, já na graduação em Medicina, a mentalidade focada em um modelo que valoriza a superespecialidade e a alta tecnologia.“Nós não temos dentro das universidades esse profissional [de atenção básica e saúde da família] como professor da universidade, como modelo; então como o aluno da Medicina, por exemplo, vai se espelhar em alguém, para querer ser aquilo, se ele não tem dentro da graduação aquele médico, o doutor, com doutorado, que estudou, que tem todo um conhecimento específico?”, questiona Claunara.Ela admite que aos poucos o cenário tem mudado, com iniciativas de capacitação das equipes e cursos de especialização para quem já está atuando com Estratégia Saúde da Família, mas adverte: “A gente precisa dar uma apurada nesse processo”.A enfermeira residente de uma unidade de saúde da família na Escola Nacional de Saúde Pública, no Rio de Janeiro, Alessandra da Silveira, diz que é difícil encontrar médicos nas equipes multidisciplinares em programas de residência multiprofissional, já que o Conselho Federal de Medicina (CFM) não reconhece essa modalidade de especialização. “Isso desestimula, porque eles não vão ter o reconhecimento pelo que fizerem”.Ela diz que escolheu essa especialização por acreditar na Saúde da Família como uma forma de reorganizar o atendimento à saúde no Brasil. Ela explica que a atenção primária visa a trabalhar prioritariamente com a saúde e não com a doença. “Então você não precisa esperar que a pessoa fique doente para intervir, fazer algum tipo de ação em saúde”. Para ela, isso acaba sendo mais eficaz, “porque você evita que um problema se instale, trabalha com promoção da saúde e prevenção de doença”.Raphael Azevedo, colega de residência de Alessandra, ressalta que essa opção é uma forma de ir na contra-mão do mercado, já que, segundo ele, o mercado privado está focado na média e na alta complexidade. “Na atenção primária a gente tenta publicizar essas coisas, a gente tenta trabalhar o público, fortalecer o Sistema Único de Saúde e reorganizar esse sistema por meio do Saúde da Família”, afirma.Para o conselheiro do CFM Geraldo Luiz Gomes, não falta incentivo só na área acadêmica para profissionais especializados em atenção básica. Ele cita problemas como os contratos precários, a falta de estabilidade, de uma progressão de carreira e os baixos salários dos profissionais da Saúde da Família.“Talvez essa seja uma das explicações por que as equipes não se mantêm por muito tempo”, diz. Ele ressalta que a rotatividade dos médicos contratados é muito grande, “o alto nível de precarização é desestimulante para que as equipes tenham maior perenidade, durabilidade”. Gomes explica que na estratégia é importante uma inserção do profissional na comunidade em que atua, “e o tempo de permanência dos profissionais na comunidade é fator decisivo para essa maior inserção”.“Muito mais do que problemas na graduação existe uma realidade de uma sociedade que francamente é influenciada pelas leis de mercado”, afirma o médico, que é especializado em saúde pública e professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Por isso, diz ele, é necessário um contra-ponto do poder público, no sentido de regular para não deixar que a formação seja regida somente pela lógica de mercado, “criando e incentivando espaço no mercado de trabalho pra que as pessoas tenham interesse em buscar esse tipo de formação”.“Essa idéia de que a academia está dessintonizada, em alguns momentos é verdade, porque a academia não existe isoladamente na sociedade, o mercado vai continuar existindo; então cabe uma ação ativa das autoridades gestoras da saúde no país, investindo nesses pré-requisitos [estabilidade, bons salários, formação continuada], para que as pessoas se sintam estimuladas a ver no serviço público algo tão importante, valorado, como nos hospitais, nas clínicas que trabalham com especialidades, com equipamentos sofisticados e tudo o mais”.