Ana Luiza Zenker
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Começaamanhã (17) a 1ª Conferência sobre as ComunidadesBrasileiras no Exterior - “Brasileiros no Mundo”, organizada peloMinistério das Relações Exteriores (MRE), com aFundação Alexandre de Gusmão (Funag). O objetivodo evento é conhecer melhor quem são os brasileiros quevivem em outros países e as necessidades dessas pessoas. Deacordo com estimativas do MRE, a maior colônia brasileira, comcerca de 1,2 milhão de pessoas, está nos Estados Unidos.Em seguida, estão o Paraguai, com cerca de 400 milbrasileiros, o Japão, com pouco mais de 300 mil, o ReinoUnido, com aproximadamente 150 mil, e Portugal, com 120 mil.Amaior parte dessas pessoas é da classe média e temformação superior. No exterior, costumam ocupar postosde trabalho que requerem baixa ou média qualificação.O principal problema enfrentado por esses brasileiros que tentammigrar para outros países ainda é a falta de documentos(indocumentação), o que, para o Itamaraty, nãopode ser confundido com ilegalidade e criminalidade.Nestaentrevista exclusiva à Agência Brasil, o diretordo Departamento de Comunidades do Brasil no Exterior, do MRE,ministro Eduardo Gradilone, antecipa os assuntos a serem discutidosna conferência. Ele avalia ainda o que precisa ser feito paramelhorar o atendimento aos brasileiros que vivem fora do paíse o que se pode esperar de uma política do governo brasileiropara esses cidadãos.AgênciaBrasil: Quais têm sido as demandas que o ministério temrecebido com relação aos brasileiros que vivem noexterior? Como se pode definir o perfil de atendimento?EduardoGradilone: O Itamaraty tem dado uma importância muito grande àscomunidades do Brasil no exterior. Faz tempo que essas comunidadestêm crescido e demandam uma atenção diferenciadado serviço consular clássico, que ajuda os brasileirosem dificuldades a providenciar passaportes, vistos, certidões,CPF, título de eleitor. Com o crescimento das nossas comunidades no exterior passou a sercada vez mais importante dar atenção àscomunidades como um todo, não somente aos indivíduos. Agente chama isso de serviços consulares de segunda geração.Ver se é possível, por exemplo, negociar com osgovernos condições melhores para essas comunidades. Você tem, por exemplo, os supletivos que sãoorganizados no exterior, no Japão e na Suíça, eo Ministério da Educação tem uma grandepresença.ABr: Esses supletivos são desegundo grau?Gradilone: É o brasileiro que nãotem o diploma de segundo grau, vai ao Japão e fica sem nenhumtítulo. Você distribui apostilas, faz a prova e aspessoas, sendo aprovadas, recebem os diplomas que tinham ficado semporque saíram do Brasil antes que pudessem realizar os exames.Isso é muito importante porque dá certificados a muitosbrasileiros, o que permite melhores condições deemprego e de salário. Ascomunidades também têm se organizado e querem que ogoverno brasileiro também tenha políticas específicaspara as comunidades. Agora, com essa primeira conferência [quecomeça amanhã, no Rio], vamos procurar juntar tudo o queo governo está fazendo por essas comunidades, o que osacadêmicos têm escrito e, principalmente, tudo o que osbrasileiros no exterior têm a dizer e desejam para suascomunidades. Aí, sim, a gente vai ter umaradiografia melhor de como está a situação dasnossas comunidades.ABr: Atualmente, quais as principaisdemandas da comunidade brasileira no exterior?Gradilone: Aprincipal demanda é a melhoria das condições deatendimento: que mesmo nos finais de semana você tenhaassistência consular, que você providencie os documentosrapidamente. Então, nossa primeira providência émelhorar o atendimento. Além disso, estamospreparando um documento de reforma consular para podermelhorar as formas de trabalho nessa área. Há tambémdemandas para facilitar a legislação, de flexibilizarcertos aspectos, mas aí é uma coisa que independe doministério, porque são legislações, sãoregulamentos de serviços públicos. Outrademanda dos brasileiros é o acesso a benefícios daPrevidência e que o tempo trabalhado no exterior possa ser aproveitado no Brasil no retorno. A comunidade tambémquer educação para os filhos. No Japão, porexemplo, há mais de cem escolas brasileiras. ABr: Em que lugares as comunidades têm tido maisdificuldades?Gradilone: Quando a secretaria começoua funcionar, teve que estabelecer suas prioridades. A primeira era ados brasileiros que estavam na fronteira com a Bolívia. Ogoverno boliviano decidiu implementar uma norma constitucional queproíbe a ocupação de uma faixa de 50 quilômetrospor estrangeiros. Eles estavam sujeitos à expulsão enós realizamos missões à Bolíviapara ver uma forma de transformar as expulsões emreassentamento. Aquilo que era uma coisa complicada, havia atéameaça de uma data-limite para a permanência dosbrasileiros, acabou se tornando um exercício em que estamosestudando formas de criar projetos econômicos nos quais essesbrasileiros possam ser empregados, se mudem, deixem as terras, eprojetos que possam também beneficiar bolivianos. Hárecursos do governo brasileiro para esse fim e agora talvez a gentefaça alguma coisa em conjunto com a organizaçãointernacional de migração. Asegunda urgência éa dos brasiguaios [brasileiros que moram no Paraguai], uma parcelaimportante da comunidade brasileira no exterior e que tem problemasmigratórios e fundiários. Nós fomosem missões do Itamaraty, assim como fizemos na Bolívia.Estamos desenvolvendo cooperação na áreamigratória, para fazer censos paraguaios e brasileiros,envolvendo a área fundiária, com o instituto que regulaa propriedade de terras, e ver como podemos acertar a situaçãodesses brasileiros que moram lá há muito tempo, têmdireito por usucapião, mas ainda falta regularizar os títulos.Um dos desenvolvimentos mais importantes dessas reuniões éque o Paraguai, que era um pouco reticente em ratificar os acordosmigratórios e de residência do Mercosul, agora ossubmeteu ao Congresso. Em breve a gente vai ter um marco legal parapoder continuar a resolver esses problemas. Ea terceira urgência é a da presença brasileiranas Guianas. Lá, além de problemas migratóriose fundiários, há muita associação com ogarimpo ilegal, com poluição do meio ambiente,prostituição. A Guiana é um caso atípico,porque é um país europeu que tem um departamento aquina nossa fronteira, então nós temos um pouco a cargadaquelas correntes mais resistentes à migração ecom uma situação um pouco mais difícil na qual obrasileiro, em grande parte, está envolvido com atividadesilícitas. Nós temos procurado separar as coisas: proporque assuntos de migração e assuntos fundiáriossejam tratados separadamente de assuntos de criminalidade. ABr: Interessante porque as três demandas são na Américado Sul. Em geral, quando a gente fala de brasileiros que querem morarfora do país, as estimativas mostram muito os Estados Unidos,países mais desenvolvidos. Gradilone: A gente está falando de urgências. Outrasprioridades são: a comunidade maior, nos Estados Unidos, e aque mais cresce, na Europa. Mas é muito diferente. O grandeproblema geral é a indocumentação. Se vocêestá indocumentado, fica vulnerável, porque nãotem as normas de proteção que o próprio Estadoreceptor proporciona. Um estrangeiro aqui tem a Justiçabrasileira, tem toda a proteção trabalhista que umbrasileiro tem, ele não é tratado diferentemente. E obrasileiro no exterior também. Agora, o brasileiroindocumentado fica constrangido em aparecer, porque pode ser mandadode volta. Essa é uma situação difícil deresolver. Os países têm suaspolíticas migratórias. Nós podemos atédesejar e atuar para que elas sejam flexíveis, para que hajafacilidades para a regularização migratória, masisso também depende do próprio brasileiro, que evita aregularização porque isso traz encargos: tem que pagarimposto de renda, que se filiar aos seguros sociais. NoJapão, por exemplo, nós temos um atendimentoconsiderado de terceira geração. Como os brasileirossão todos legais, nóspodemos negociar acordos de mais alto nível, porque éuma situação diferente. Tanto no caso mais grave,na América Latina, quanto no caso mais evoluído, noJapão, a gente pode negociar de governo a governo. Jána Europa e nos Estados Unidos é muito mais difícil ogoverno negociar, por causa da irregularidade migratória.