Escutas indicam pagamento de propina à Corregedoria do Detran de São Paulo

04/06/2008 - 21h16

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - As interceptações telefônicas realizadas durante a Operação Carta Branca, que investigou uma organização criminosa especializada em falsificar carteiras de motorista, apontaram a possibilidade de participação de funcionários do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran) e da própria Corregedoria (que deveria investigá-lo) no esquema. Na operação, deflagrada ontem (03), 19 pessoas foram presas.A investigação teve início em maio de 2007, após denúncia da Polícia Rodoviária Federal de Mato Grosso do Sul. Interceptações telefônicas revelaram que a falsificação das Carteiras Nacionais de Habilitação (CNH) eram realizadas, em sua totalidade, em São Paulo, especialmente na cidade de Ferraz de Vasconcelos. Os documentos eram emitidos nessa cidade e vendidos para todo o Brasil, com apoio da Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) de Ferraz de Vasconcelos.A Ciretran de Ferraz de Vasconcelos era comandada pelo delegado de polícia Juarez Pereira Campos que emitiu, nos últimos dois anos, pelo menos 1.231 carteiras falsas.Para praticar a fraude, uma pessoa que se fazia passar pelo candidato a motorista. Ela fornecia sua impressão digital para que o comprador da falsa carteira não precisasse passar por todo o procedimento de habilitação (exames médico e psicotécnico, além de aulas teóricas e práticas).As falsas informações eram inseridas pelas auto-escolas no sistema para a emissão da carteira de motorista. Ao final dessa etapa, todo esse procedimento era encaminhado para os funcionários da Ciretran, que, cientes de tudo, lançavam as informações no sistema como se verdadeiras fossem, ou seja, como se o candidato a condutor de fato tivesse sido aprovado em todos os exames”. Dependendo da localidade, as carteiras falsificadas eram vendidas por valores entre R$ 1,3 mil e 1,8 mil.UM trecho do relatório elaborado pelo Ministério Público Estadual mostra Elaine Gavazzi, proprietária e sócia das auto-escolas Radar e São Judas Tadeu, conversando com Miguel Antonio Pereira, proprietário do Centro de Formação de Condutores A Evolução, sobre um erro encontrado na confecção de uma carteira falsificada e como eles poderiam resolver o problema no Detran.Elaine: Preciso de você agora. Cê vai no Detran que caiu a casa pra mim.Miguel: Que que houve?Elaine: Apreenderam uma carta. As meninas (funcionárias de Elaine) tiraram a foto errada do cara.. de Minas (Gerais) ainda. O puxador entregou errado a foto e ela tá no Detran, São Paulo, bloqueada pra averiguação se é boa. Você tem que segurar isso antes de chegar aqui em Ferraz. Cê consegue?(...)Elaine: Dinheiro cê sabe que não é problema, a gente se vira.Em outro trecho, Elaine conversa com Mauro Pereira Lobo, proprietário do Centro Mogiano de Formação de Condutores, sobre uma visita da Corregedoria do Detran, no dia 29 de abril deste ano, para apurar irregularidades em Ferraz de Vasconcelos. A conversa, segundo o relatório do Ministério Público, “fornece robustos indícios do envolvimento da própria Corregedoria do Detran no esquema de falsificação”.Elaine: Tem alguma espécie aí?Mauro: Nossa, não te entendi.Elaine: Tem algo em espécie?Mauro: Eu não, por que?Elaine: Nós tamos com visita e tá faltando papel?(...)Mauro: Que que acontece aí?Elaine: Corregedoria.Mauro: Tá aí?Elaine: Ah, ah.Mauro: E os cara qué cash (palavra em inglês para dinheiro vivo)?Elaine: Ah, ah!(...)Mauro: Tenho dez, serve?Elaine: Serve.Por meio de comunicado, a assessoria de imprensa do Detran disse ontem que ainda não havia sido informada oficialmente sobre qualquer irregularidade envolvendo funcionário público do órgão. “Portanto, cabe à Corregedoria da Polícia Civil qualquer manifestação nesse sentido.”Segundo o corregedor da Polícia Civil, José Antonio Ayres de Araújo, um inquérito já foi aberto para apurar a participação da Corregedoria do Detran e de delegados e policiais civis no esquema.