Violência policial nas favelas conta com aval da sociedade, alerta pesquisadora

29/10/2007 - 16h13

Adriana Brendler
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro - A relação de conflito entre a favela e o resto dacidade, que desconhece e estigmatiza as comunidades mais pobres, associando-as àviolência, foi o principal destaque do seminário Favela é Cidade!Violência e Ordem Pública, aberto hoje (29), no Rio de Janeiro. O encontro é organizado pelo InstitutoUniversitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj) e Instituto Brasileiro deAnálises Sociais e Econômicas (Ibase) paradebater os resultados de uma pesquisa divulgada na última quinta-feira (25)pelas duas instituições, que ouviu 150 moradores de 45 favelas do Rio de Janeiro, das cerca de 700 que existem no estado, totalizando mais de 1,5 milhão de moradores.

O levantamentoconcluiu que os moradores de comunidades querem e precisam da presença da polícia, mas condenam ações violentas que vêm sendo realizadas. Segundo oestudo, a maior crítica à ação policial nas comunidades é a de que asoperações não distinguem “pessoas de bem” de “marginais”.

De acordo compesquisador do Iuperj, Luiz Machado da Silva, a pesquisa e o seminário sãoimportantes para dar a voz aos favelados que vivem sob a “lei do silêncio”por medo de traficantes, policiais e membros de milícias.“Os moradores dasfavelas estão absolutamente espremidos entre várias formas de violência: policial,do tráfico, das milícias. Eles estão silenciados por todos os lados”, afirmou. Para ele, um dos motivos da violência policial é oaval da sociedade que desconhece a realidade das favelas. “A violência policialé defendida, com toda a clareza, por quem não mora nos territórios da pobreza.Ela é respaldada por uma defesa da opinião pública quase universal”, disse.

Segundo VanderleiCunha, líder comunitário de Acari, zona norte da cidade, a visãoda sociedade sobre a favela não é real,  mas forjada pela mídia que interpreta o que acontece na favela. “Apessoa que mora perto de uma favela, pode correr o risco de uma bala perdida,mas não de ser assaltada ou roubada. Ela tem uma visão de perigo, não pelaviolência real que sofre, mas pelo que a mídia diz que ela pode sofrer”.

Para Cunha, odistanciamento contribui para a omissão da sociedade em relação ao que acontecenas favelas. “À medida que as pessoas não têm uma noção exata do que estáacontecendo, da realidade cruel que a gente está vivendo ali, não imagina que oseu silêncio representa para a impunidade, para  permanência do que está acontecendo, tanto em relação ao tráfico,como da polícia. Elas só reagem quando alguém do asfalto é baleado”.

Dulce Pandolfi,pesquisadora do Ibase e da Fundação Getulio Vargas, afirmou que embora o tráficoseja uma realidade, o clima de guerra criado em torno das favelas está sendoutilizado para acentuar preconceitos e discriminações históricas.

”A favela não épercebida como parte da cidade. É percebida como um quisto que precisa sereliminado. Ao longo da história do Brasil, do século 20 inteiro, quandosurgiram as primeiras favelas, sempre se deu um tratamento de eliminação, pordiversas maneiras, ou removendo ou intervindo de forma discriminatória", afirmou Dulce.

"Com umdiscurso de que ali é um centro da violência do crime, da marginalidade, nuncafoi dado tratamento digno às favelas e hoje está muito pior. Se tem uma proximidade geográfica muitogrande e uma distância cultural enorme.”

A pesquisadoradefendeu a integração da favela à cidade e também criticou a polícia. “Apolícia e a Justiça são os órgãos encarregados de garantir a cidadania. Oproblema é que a gente tem instituições muito falhas, todo mundo sabe hoje em diaque a polícia não tem atitudes cidadãs", aponta.

"Ela não entra na favela respeitando osdiretos civis, pelo contrário. O princípio de qualquersociedade é o respeito aos direitos humanos. Mesmo numa guerra se respeitadireitos humanos. Um bandido tem que ser preso e condenado, mas mesmo umbandido tem que ter direitos humanos respeitados."