Alvo de protesto, deputado diz que decreto de Lula sobre quilombos “extrapola” Constituição

01/10/2007 - 15h48

Spensy Pimentel e Clara Mousinho
Da Agência Brasil
Brasília - Principal alvo de umprotesto que reuniu em Brasília, na semana passada, mais de500 representantes de comunidades remanescentes de quilombos de todoo país, um projeto de decreto legislativo (44/2007) do deputado ValdirColatto (PMDB-SC) questiona o decreto presidencial que regulamentou atitulação das terras quilombolas.“O decreto[presidencial] 4.887/03 extrapolou qualquer decisão daConstituição”, afirmou Colatto, em entrevista àAgência Brasil. “A Constituição ébem clara: aos remanescentes das comunidades dos quilombos queestejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedadedefinitiva, devendo estar admitidos os títulos respectivos. Odecreto extrapolou isso.” Areferência do deputado é ao artigo 68 do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias: “Aosremanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suasterras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo oEstado emitir-lhes os títulos respectivos”. Para Colatto, ainterpretação correta do texto constitucionalimplicaria a titulação apenas das terras ocupadasatualmente pelos quilombolas, e não das terras que eles jáhabitaram no passado. Aproposta de Colatto é anular o decreto 4.887, mas ele nãopropõe nada no lugar, apenas quer que a discussão danova lei seja feita pelo Congresso. O temor dos quilombolas éque todos os processos de titulação concluídosnos últimos quatro anos ou ainda em curso sejam anulados,afetando centenas de comunidades em todo o país. Aquestão é que, segundo o decreto de 2003, as terras dascomunidades quilombolas são as “utilizadas para a garantiade sua reprodução física, social, econômicae cultural”, não apenas aquelas em que eles vivematualmente. Além disso, o decreto reconhece que, em caso dehaver ocupantes nas terras, eles deverão provar que têmtítulo legalmente válido,prevendo-se a possibilidade de desapropriação eindenização correspondente.Essavisão da questão quilombola garante àscomunidades a possibilidade de recuperar terras das quais elas foramexpulsas décadas atrás por grileiros, ou grandesprojetos agrícolas e industriais. Para a educadora eantropóloga Glória Moura, da Universidade de Brasília,que estuda as comunidades quilombolas há mais de 20 anos, aatual regulamentação garante um direito negado pordécadas. “É um direito deles continuar nas terras, eesse direito precisa ser garantido", diz ela. Mouralembra que há dificuldades envolvidas no processo: "Aíchega um juiz e pergunta ao quilombola: como é que vocêsabe que essa terra é sua? Você não tem nenhumpapel! Mas o quilombola não precisa ter papel, ele sabe que oavô morava lá, que o pai morava e que agora ele mora eantes disso muita gente da família dele morou lá.Então, não basta garantir a terra, é preciso darposse dessa terra aos quilombolas, sim".Outroponto levantado pelo deputado se relaciona à possibilidade dedesapropriação. “Seas terras forem desapropriadas, o governo tem que pagar, como diz aConstituição, pelo direito de propriedade. Sóque não tem dinheiro para isso, nem orçamento e nemprevisão orçamentária”, diz ele. Colatto seampara em questionamentos feitos pelo Gabinete de SegurançaInstitucional da Presidência da República sobre o tema. Oparlamentar questiona, ainda, a prerrogativa do “auto-reconhecimento”das comunidades, estabelecida pelo decreto de 2003. O mecanismogarante que comunidade quilombola é aquela que se declaracomo tal. A Fundação Palmares é encarregada decadastrar essas auto-declarações (hoje, já há1170 cadastradas), que não implicam, necessariamente, atitulação das terras – o que depende do estudoantropológico realizado pelo Incra, num processo em separado.Oauto-reconhecimento é um mecanismo estabelecido de acordo coma Convenção 169 da OrganizaçãoInternacional do Trabalho, sobre povos indígenas e tribais. OBrasil é signatário da convenção, e elajá foi ratificada pelo Congresso. Outradas alegações de Colatto, o de que seriainconstitucional uma regulamentação direta pelopresidente de um artigo da Constituição, ainda seráobjeto de análise da Justiça, segundo afirmou na semanapassada o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), ementrevista à AgênciaBrasil.Segundo o gabinete do deputado, o projeto de decreto encontra-se atualmente em tramitação na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, sendo relatado pela deputada Iriny Lopes (PT-ES).