Soja pode ampliar impactos de projeto do Rio Madeira, alerta ONG

04/06/2007 - 19h21

Wellton Máximo
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O projeto das hidrelétricas de SantoAntônio e Jirau, em Rondônia, pode trazer reflexos quevão além do alagamento provocado pela elevaçãono nível do Rio Madeira e dos possíveis obstáculospara a reprodução dos peixes da região: aoatrair contingente populacional e estimular o desenvolvimento daagricultura no estado, as usinas podem trazer um impacto semelhanteao causado pela expansão da soja sobre o Mato Grosso. O alertaé da organização não-governamental (ONG)Conservação Internacional.No início de maio, a entidade divulgou umestudo no qual aponta os impactos dos principais projetos deinfra-estrutura no Brasil e no continente sobre as unidades deconservação e os territórios indígenas.No caso das usinas do Rio Madeira a influência dosempreendimentos não se restringiria a Rondônia e tambémabrangeria o interior da Bolívia, conclui a ONG. “Em relaçãoa esse projeto, a maior preocupação não écom o que se diz, mas com o que não é dito”, adverteIsabella Freire, especialista em Política Ambiental daConservação Internacional.De acordo com a organização, osimpactos ambientais e sociais das hidrelétricas se tornariamainda mais intensos porque os dois empreendimentos, consideradosprioridade no Programa de Aceleração do Crescimento(PAC), são apenas parte de um grande projeto de integraçãodo Brasil com a Bolívia. Além de Santo Antônio eJirau, o projeto prevê a construção de umahidrelétrica binacional, no Rio Mamoré (afluente doMadeira) e outra em território boliviano.O projeto do complexo não se restringe àprodução de energia. As obras também prevêema recuperação de duas rodovias: a BR-364, que ligaPorto Velho (RO) a Cuiabá (MT), e a BR-317, que vai de PortoVelho a Rio Branco (AC). Para estimular a navegação naregião, seriam construídas eclusas em cada hidrelétricaque formariam uma hidrovia de 4,5 mil quilômetros que seestenderia do interior da Bolívia até o Rio Amazonas,conectando os Rios Madeira, Guaporé e Beni. “Essa seria amaneira de a Bolívia encontrar a saída para oAtlântico”, ressalta Isabella Freire.Para a especialista, a redução docusto de logística na região proporcionada pelas usinaspode destruir qualquer iniciativa de desenvolvimento sustentávelno oeste da Amazônia. “Vai ficar barato produzir soja, o quevai expandir as fronteiras agrícolas do país semqualquer respeito ao meio ambiente e às populaçõesque vivem na floresta”, salienta. “Será o mesmo processoque ocorreu no Centro-Oeste.”Em 2003, o consórcio formado pela estatalFurnas e pela empreiteira Odebrecht, que está elaborando oestudo de impacto ambiental (EIA) das usinas de Santo Antônio eJirau, estimou que o complexo vai impulsionar a produçãode 25 milhões de toneladas de soja por ano apenas no Brasil.Isso equivale à expansão de 80 mil quilômetrosquadrados de agricultura mecanizada. As projeçõesconstam de um grupo de assessoria internacional que ajudou naelaboração do Plano Plurianual (PPA) 2004–2007 para aregião amazônica.De acordo com o próprio estudo daConservação Internacional, as conseqüênciaspodem ser ainda mais graves porque, para que ocorresse de formalegalizada e respeitando as áreas de preservaçãopermanente, as propriedades privadas teriam de ocupar pelo menos mais400 mil quilômetros quadrados, cinco vezes mais que o previstopelo consórcio. “É impossível que uma expansãodessa magnitude não se dê sem desmatamento nem aexpulsão de agricultores familiares e comunidadestradicionais”, avalia Freire. “Isso teria pelo menos que serdebatido em conjunto com a população.”Por enquanto, o governo desistiu de construir aseclusas e deixou em suspenso a proposta das usinas em parceria com aBolívia. Segundo a Casa Civil, o grupo de trabalho formado emfevereiro de 2006 para discutir o projeto do complexo optou por darprioridade às usinas de Santo Antônio e Jirau aoincluí-las no PAC.Para a Conservação Internacional, noentanto, o recuo em relação à proposta inicialrepresenta um artifício para adiar as discussões epermitir a execução do projeto de forma gradual. “Ocomplexo do Rio Madeira é outro grande projeto fragmentadopara facilitar seu licenciamento. Até mesmo as linhas detransmissão, claramente imprescindíveis àshidrelétricas, são consideradas como projeto àparte”, conclui o estudo. As linhas não constam do EIA.