Entrevista 4 - Irregularidades envolvendo soldados no Haiti são raras, e tolerância é zero, afirma general

16/01/2007 - 9h43

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil*
Brasília - Leia a seguir o quartoe último trecho da entrevista com o general-de-brigada CarlosAlberto dos Santos Cruz. Na última quarta-feira (10), ele setornou o quarto brasileiro a assumir o comando de uma missãode paz das Nações Unidas. Como comandante daMissão das Nações Unidas para a Estabilizaçãodo Haiti (Minustah), ele terá, por até doze meses, aresponsabilidade de chefiar 7,5 mil homens de cerca de 20nacionalidades, encarregados de levar estabilidade política aopaís mais pobre das Américas (clique aqui para ver os números da missão atualizados).Nessa parte daentrevista exclusiva à Agência Brasil, eledefende as tropas da Minustah das recentes denúncias de abusosveiculadas pela imprensa internacional. Santos Cruz lembra que oseventuais casos foram raros ao longo desses dois anos e meio deatuação das forças de paz e diz que háuma política de “tolerância zero” em relaçãoà disciplina da tropa.ABr – Em2004, quando a seleção brasileira jogou aí noHaiti, foi possível perceber a grande simpatia que oshaitianos nutrem pelos brasileiros, isso não écontestado por nenhum grupo, seja do governo ou da sociedade civil internacional. Porém, o senhor, comocomandante da Minustah, também tem que lidar com gente deoutras culturas, de outros países, e, aí, àsvezes existem reclamações em relação àconduta de soldados. Por exemplo, casos de violência sexual,como foi recentemente noticiado. Como lidar com esses soldados deoutras culturas, que não necessariamente têm empatia comos haitianos?Santos Cruz - Todaa estrutura da ONU é multinacional, em todos os setores hágente de todos os países, e ela tem mesmo que ter, porque temrepresentantes de todos os seus filiados, e as tropas também.As tropas têm batalhão uruguaio, chileno, argentino, doNepal, do Sri-Lanka, da Jordânia, do Brasil, então éuma variedade muito grande. E é um desafio realmente trabalhardentro desse ambiente multicultural.Assim como o Brasil,todos os outros países também selecionam seu pessoalpara mandar representantes de boa qualidade, tropas que vãorepresentar bem o país. Isso é uma preocupaçãogeral de todos, então há gente de boa qualidade detodos os países.Existem diferençasculturais, é claro, a gente tem que lidar com isso, tem queentender, tem que ter sensibilidade suficiente. Mas, depois de umcerto tempo de vida, a gente é obrigado a ter adquirido essasensibilidade no trato. Esses casos dedesrespeito, de abuso sexual ou de qualquer outro tipo de condutaerrada, de caráter grave, são raríssimos.Inclusive, quando isso acontece, aqui há um setor de apoiojurídico, é feito um inquérito sobre a condutaerrada do militar ou de qualquer elemento que esteja subordinado àgente. Agora, sinceramente,se você for raciocinar que nós estamos no sextocontingente (os soldados se revezam de seis em seis meses),uma média de sete mil homens... Só no caso brasileiro,1.200 homens: se nós estamos no sexto contingente, jápassaram 7.200 militares por aqui, só do Brasil. Das NaçõesUnidas todas, devem ter passado em torno de 30 mil, e esses casos sãoraríssimos.É claro que,quando você tem um caso, é um escândalo tãogrande que parece que aquilo é uma coisa generalizada. Emprimeiro lugar, tem que se ver a veracidade. E a veracidade, sócom a conclusão do inquérito, com a investigaçãofeita. Segundo: o númerode casos é muito pequeno, e quando a gente ainda compara comos milhares de soldados militares que passaram por aqui, se tornainsignificante. É claro que, para as pessoas atingidas, éum trauma de vida, mas, em termos gerais, não se podecaracterizar como um problema que seja disseminado. Muito pelocontrário, as ocorrências são raríssimas. E as ordens sãomuito claras, todas elas reiteradas: a tolerância para casosdisciplinares é zero. Não é só problemasexual: problema de furto, de droga, qualquer um que diga respeito àautoridade, a afrontar qualquer princípio básico dosdireitos humanos, isso é retaliado na hora, a tolerânciaé zero nesse tipo de ambiente. Mas, também, a gente nãopode fazer a injustiça de considerar qualquer acusaçãoverdadeira. Agora, comprovado, é praticamente zero aqui. ABr - Pessoalmente, qual aresponsabilidade de chefiar esse contingente?Santos Cruz - Emtermos de vida pessoal, claro, é emocionante comandar umatropa onde as bandeiras de 20 países estãorepresentadas. É uma experiência única, umaoportunidade de vida, de realização profissional, derealização pessoal. Em compensação,a carga é extremamente pesada, você lida com todas aspressões da área política, da áreaeconômica, todo esse ambiente que você agora me recordou,da parte internacional, os olhos internacionais todos em cima dequalquer coisa que possa dar errado, ou de qualquer reclamação.Então, há uma pressão muito grande de todas asorigens em cima desse tipo de tarefa. Agora, é, defato, uma experiência fantástica, uma oportunidade rara.O batalhão brasileiro é apenas um dos componentes, masé um componente importantíssimo. Eu tive a oportunidadede treinar esse batalhão no Brasil, a base deles é doComando Militar do Oeste, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, entãona 13ª Brigada de Infantaria Motorizada, emCuiabá, acompanhei a seleção de pessoal,formação, treinamento e depois, por acaso, acabei sendodesignado para cá. É um batalhão da maisabsoluta confiança, de gente da mais alta qualidade.*Colaboraram Irene Lobo e Grazielle Machado