Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil*
Brasília - Leia a seguir osegundo trecho da entrevista com o general-de-brigada Carlos Albertodos Santos Cruz. Na última quinta-feira (11), ele se tornou oquarto brasileiro a assumir o comando de uma missão de paz dasNações Unidas. Como comandante daMissão das Nações Unidas para a Estabilizaçãodo Haiti (Minustah), ele terá, por até doze meses, aresponsabilidade de chefiar 7,5 mil homens de quase 20nacionalidades, encarregados de levar estabilidade ao país mais pobre das Américas (clique aqui para ver os números da missão atualizados).Nessa parte daentrevista exclusiva à Agência Brasil, ele falasobre as dificuldades enfrentadas pelas tropas da Minustah em CitéSoleil, um dos maiores e mais pobres bairros de Porto Príncipe,capital do Haiti. O general nega que as tropas estejam cometendo oudando guarida para abusos cometidos pelos policiais haitianos contraa população local.ABr – Nóssabemos que um dos lugares que mais sofre com o problema da violênciana capital haitiana é Cité Soleil. Grande parte dasnotícias que chegam sobre confrontos armados com a Minustah serefere a esse bairro. Grupos de direitos humanos chegaram a postar nainternet notícias que falavam da possibilidade de haver “centenas” de mortos lá,nos conflitos com a Minustah no último mês de dezembro.Isso é real? Como o senhor avalia esse quadro?Santos Cruz - EmCité Soleil, que é a região mais pobre dacidade, se concentram hoje as grandes gangues. Há notíciasde três, quatro grandes gangues controladas por bandidospoderosos dentro daquele ambiente, que fazem açõesabsurdas de violência contra a população. Nossa missão éapoiar, criar condições de governabilidade para ogoverno haitiano. Não é possível que, em umaárea dentro da capital, não haja condiçõesde o poder público entrar, de haver trânsito livre dasautoridades dentro do local, como é normal em qualquersociedade organizada. Só que essasgangues são fortemente armadas, e diariamente as patrulhas daMinustah recebem um número muito grande de tiros, chegando amilhares num dia. Isso indica que há um fluxo de armamento emunição muito forte lá para dentro. As tropas daONU vão atrás e vão impor o poder do Estado,para que haja uma governabilidade. Claro que, isso, atendendo aoprincípio de colaboração com o governo haitiano.Existe o componente político, essa é uma missãocomplexa. Quando foram feitas asoperações para que o poder do Estado possa chegar lá,no dia 22 de dezembro, a tropa recebeu milhares de tiros. Éque o nosso pessoal é treinado, se protege, usa a táticacorreta, é claro que nós temos superioridade deadestramento, de conhecimento militar. Então, a tropa foirecebida dessa forma e reagiu, porque ela é bem preparada. A tropa é muitobem preparada, é equipada, tem o espírito decumprimento da sua tarefa, e realmente deve ter. Realmente houvebaixa e feridos do nosso lado, dez feridos, se eu não meengano. E houve baixa em elementos atingidos do outro lado, nãose sabe exatamente quantos.ABr – Épossível precisar quantos foram mortos?Santos Cruz - Osjornais haitianos falavam em de três a quinze. Não setem o número correto. Há uma dificuldade de localizar oelemento que foi atingido, se ele morreu ou se ele foi atingido. Sevocê conhece a Cité Soleil, sabe que é umadificuldade muito grande tramitar lá dentro. É uma áreamuito grande, onde mais de 200 mil pessoas vivem, e você tempoucas ruas onde pode andar. No restante, as casas são todasquase juntas, com pequenas vielas entre uma e outra, é difícilde você se orientar. ABr - Osinformes que chegam de grupos de direitos humanos relacionam essesmovimentos a um protesto no dia 16 de dezembro por conta dacomemoração do aniversário da primeira eleiçãode Aristide, em 1990 (Cité Soleil é conhecida comoreduto de grupos que apoiavam Jean-Bertrand Aristide). Os ativistas dizem que,portanto, havia ali movimentos de caráter político eque teria havido uma repressão também política.É possível determinar em que medida é ummovimento de gangues, ou se há um movimento político?Isso existe mesmo?Santos Cruz - Eucreio firmemente que não há relaçãopolítica nenhuma dessa comemoração doaniversário do ex-presidente, ou da eleiçãodele, com a operação. A operação que foifeita é para que se leve o poder do Estado a um local que estásendo dominado por bandidos. A comemoração, eu nãotenho notícia nenhuma de que tenha havido problema. Éabsolutamente normal num ambiente democrático você teresse tipo de comemoração. Ainda mais que a ONUestava aqui, com todos os observadores do mundo inteiro, entãonão tem sentido fazer uma represália por causa de umamanifestação de caráter político que éa vontade do eleitor, a vontade do cidadão. Isso aí nãoexiste, a ONU não vai favorecer esse tipo de reação,isso não existe.É claro que oativista, lá em outro local, às vezes ele nãoestava aqui para ver. O bom é quando a pessoa está nolocal e participa. Então, aí, a informaçãofica mais fácil, fica mais clara, a pessoa tem uma idéiamais nítida do que está acontecendo. A exploraçãode qualquer fato do ponto de vista político é muitosimples, muito fácil até. Mas eu não vejo essecomponente.(continua...)*colaboraram Irene Lobo e Grazielle Machado