Entrevista 1 – Respeito aos direitos humanos e combate à violência são desafios no Haiti, diz novo comandante das forças de paz

16/01/2007 - 8h08

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil*
Brasília - O general-de-brigadaCarlos Alberto dos Santos Cruz tornou-se na últimaquinta-feira (11) o quarto brasileiro a assumir o comando de umamissão de paz das Nações Unidas. Como comandanteda Missão das Nações Unidas para a Estabilizaçãodo Haiti (Minustah), ele terá, por até doze meses, aresponsabilidade de chefiar 7,5 mil homens de quase 20nacionalidades, encarregados de uma missão hercúlea:levar estabilidade ao país mais pobre das Américas (clique aqui para ver os números da missão atualizados).Ao longo dos últimosanos, as dificuldades econômicas geraram violência eproblemas para os governos democraticamente eleitos desde o iníciodos anos 90 – nas décadas anteriores, o país foigovernado pela sanguinária ditadura dos Duvalier. Em 2004, coma deposição de Jean-Bertrand Aristide, foi criada aMinustah. A eleição,no ano passado, de René Preval para presidente do país,foi considerada passo importante no processo de normalizaçãodemocrática. Apesar dos protestos de parcelas da sociedadecivil haitiana e internacional, pedindo a retirada das tropas, o novopresidente tem declarado que o apoio das forças ainda se faznecessário.Santos Cruz substituino comando da Minustah o general José Elito Carvalho Siqueira,também brasileiro. Na entrevista a seguir, o novo comandantelembra que o avanço proporcionado para a democracia haitianapela realização recente de eleições dámais espaço para que a Minustah se concentre em outras tarefasprevistas em seu mandato, como a reforma da polícia e doJudiciário haitianos.Ele tambémresponde às acusações de ativistas de direitoshumanos haitianos de que a Minustah estaria agindo violentamente embairros da capital do país, Porto Príncipe. Alémdisso, defende as tropas das acusações de abusos,recentemente destacadas pela imprensa mundial. E, por fim, destaca odesempenho das forças de paz em ações de cunhosocial, como a recuperação de estradas no país.Leia a seguir a primeira parte da entrevista, concedida por telefone, no último sábado (13).AgênciaBrasil - Nesse momento, após a realização detrês eleições em 2006 no Haiti, pode-se dizer quehá um quadro político minimamente estabilizado. Quaisas prioridades no trabalho da Minustah daqui para afrente?General Santos Cruz- O mandato da Minustah tem vários pontos muitoimportantes. Um deles é a criação de um ambientede estabilidade. Esse ambiente de estabilidade, como vocêdisse, está sendo obtido através da regularizaçãodo processo eleitoral. No ano passado houve três eleições,em todos os níveis, e realmente há um indicativo denormalização, do ponto de vista político. Existem mais doisgrandes objetivos que são o de implementar os direitos humanose o de impedir a violência, que é o grande problemaexistente. Então, em termos de estabilizaçãopolítica, se tem um bom histórico do ano passado, e setem uma perspectiva até boa pela frente. Já na parte derespeito aos direitos humanos, isso aí passa por uma reformaem diversos setores. Está havendo umgrande trabalho de reforma judiciária, incluindo tambémum treinamento e uma reforma completa no sistema policial, para quese tenha gente formada dentro dos princípios de respeito aosdireitos humanos. Quanto àquestão de impedir a disseminação da violência,que é onde entram as tropas militares e a forçapolicial das Nações Unidas: nós temos, naMinustah, cerca de sete mil militares e dois mil policiais (ligadosà ONU), que estão operando juntos exatamente paracombater a violência, que é um aspecto que acabainfluindo em todos os outros setores da vida do país. ABr - Essaquestão da reforma da polícia, da necessidade de contera violência, inclusive por meio do desarmamento, foi apontadano último relatório do secretário-geral da ONUcomo a principal “frustração”, digamos, atéagora, porque ainda se está em estágio muito inicialdos trabalhos. Entidades que lutam pelos direitos humanos no Haitichegam a alegar que a Minustah, nesses dois anos e meio, praticamentedeu “guarida” e serviu de apoio para as açõesviolentas dos policias haitianos. Como o senhor vê esse quadroe qual a atuação da Minustah em relação aessa questão?Santos Cruz - Nãohá problema de dar cobertura, não existe esse tipo decobertura para irregularidade. Agora, você, quando enfrenta aviolência, tem que ter o equilíbrio de usar a forçano limite necessário. Você trabalha no limite da força,exatamente para proteger o pessoal que reage de acordo com as ameaçasque você tem. E as ameaças são violentas. A Jordânia (umdos países que cedeu homens para a Minustah) jáperdeu seis militares. As companhias de polícia jáperderam vários militares. Então, o policial e omilitar têm que ter um equilíbrio muito grande parareagir na medida e realmente colocar o império da lei sobre obandido. Isso é fundamental. Agora, sobre asreclamações acerca dos direitos humanos, o que eu possodizer para você nesse momento, em que eu estou com apenas 48horas de comando aqui no Haiti (a entrevista foi concedida nosábado, 13), é que, pelo histórico que eu viantes de vir para cá, e também tenho lido bastanteacerca da missão aqui, não há históricosignificativo de desrespeito aos direitos humanos.Inclusive, dentro daONU, há uma seção dos direitos humanos, e elestêm toda a liberdade de acompanhar as operações.Eu não tenho nenhum problema de colocar o pessoal paraacompanhar as operações. Porque é uma situaçãoque, para ser criticada e ser avaliada, é muito importante quea pessoa vá para o terreno e acompanhe a tropa de primeiralinha, que é a tropa que vai lidando com as ameaças otempo todo.O relacionamento nossoé muito bom também, é um pessoal muitoequilibrado, que participa dessas comissões todas, e oentendimento entre nós é fundamental para que se tenhauma avaliação perfeita dessa situação. Éclaro que, quando você atua em força, sempre, quem sesentiu prejudicado vai alegar uma série de fatores que lheinteressam, mas o nosso pessoal é altamente instruídopara atuar dentro realmente da lei. Só que, nolimite da lei, também se permite o uso da força. Ohistórico de violência por conta das gangues ébastante traumático, não é um quadro suave, éum quadro de violência bastante grave.Para que haja respeitoaos direitos humanos, tem que haver uma estrutura legal boa e umaatuação policial de qualidade, dentro da legislação,com uma boa qualidade de investigação, dentro dalegislação vigente. Existe atualmente um programa muitobom de preparar os recursos humanos. Sem recursos humanos bempreparados, não há como fazer um bom policiamento. Ontem (12), eu estavaconversando aqui. Foram selecionados mais 400 novos policiais dentrodesse programa. É gente que está para a rua jácom uma formação nova, muito boa.(continua...)*colaboraram Irene Lobo e Grazielle Machado