Sociedade vai ter de administrar riscos dos grandes projetos de integração do continente, diz Ariel Pares

13/12/2006 - 23h32

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Nasegunda parte de sua entrevista exclusiva à Agência Brasil, o secretáriode Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento,Orçamento e Gestão, Ariel Pares, revela a possibilidade de que projetos como osda rodovia Interoceânica ou as usinas hidrelétricas do rio Madeira sejamconvertidos em planos mais amplos de desenvolvimento regional.Pares afirma: a sociedade precisa passar a considerarprojetos como os do rio Madeira levando em conta que eles envolvem um “jogo dosriscos”. Isso, segundo ele, significa levar em conta, ao mesmo tempo, que odesenvolvimento econômico não pode prejudicar o meio ambiente, mas que ocontrário também não é desejável, portanto é preciso encontrar um ponto deequilíbrio entre os diversos riscos envolvidos.

Agência Brasil: Existe alguma possibilidade de que osprojetos de integração já em curso no continente, como a rodovia Interoceânica(Brasil-Peru), incorporem essa lógica de se tornarem planos de desenvolvimentosustentável, e não meras obras? Pares: Eu não tenho dúvida, inclusive porque aInteroceânica colocou, pela primeira vez, o risco de a Iirsa fazer um projetoser um desastre. Acho que há uma consciência de que é preciso ter um enormecuidado com o que nós estamos fazendo. Toda ameaça tem uma grande oportunidade.O que eu quero dizer com isso: primeiro, é no meio da selva; segundo, sãocomunidades que não estão suficientemente organizadas e vivem em condiçõesprecárias. Quer dizer: a construção é fundamental, mas, sozinha, ela éum desastre. A segunda etapa da Iirsa é, por isso, importante. A primeiraconsistiu na formação de um aglomerado de projetos, sobre uma noção que foicrescendo de como poderíamos integrar nossos países. Não havia efetivamente um estudo mais forte, robusto, do queé central na integração: os encadeamentos produtivos, que dão base para ascomunidades socialmente crescerem, ter um desenvolvimento local endógeno, e aavaliação ambiental estratégica e, sobretudo, a logística.

ABr: Seria desejável, e é possível que esses projetos daIirsa, hoje um conjunto descoordenado de obras propostas por diferentesgovernos, passem a ser feitos sob uma lógica única, dentro da ComunidadeSul-Americana de Nações? Pares: Seria bom se isso ocorresse. Só haveráproblemas se houver uma divisão entre comissões setoriais para tratar dasobras: uma comissão energética para certos projetos, uma comissão deinfra-estrutura para outros etc. Isso não faz sentido. Vou dar um exemplo concreto do risco que se corre quando nãose integram as diferentes dimensões: as hidrelétricas do Rio Madeira. Se sãoconsideradas apenas pelo viés energético, não garantem, se vierem a ser feitas,o desenvolvimento. Ao contrário, porque a energia vai pagar royalties, vaimelhorar a vida do cidadão lá em Rondônia, mas não sei se vai gerardesenvolvimento. O que é o caso de Camisea? As comunidades indígenas recebemos royalties, tem recursos, mas não constroem um futuro, a preservação daidentidade, a garantia da reprodução da família, evitando a migração etc. Ouseja, o projeto é energético, mas não é um projeto de desenvolvimento. Agora, quando eu penso de forma integrada, aí, sim, estoufalando de um projeto de desenvolvimento. Nesse caso, não estaremos atendendoou otimizando um setor específico, estaremos otimizando um conjunto deestruturas voltadas para o desenvolvimento. O que integra, atualmente, a Bolívia com o Brasil no que dizrespeito às hidrelétricas do Madeira? nada, a não ser o risco de haver, talvez,uma inundação por hipersedimentação, depois de se instalar a hidrelétrica. Issonão integra. O que integra é transporte. Então, discutir energia com a Bolívia,no caso das hidrelétricas, não faria sentido nenhum, mas faz muito sentidoquando tenho em numa comissão integrada: transporte,energia, comunicações. Porque, aí, as hidrelétricas passam a ser importantes (se defato elas não causarem danos ambientais), passam a ser uma opção de integraçãopara a Bolivia no norte, onde ela não tem nenhuma saída. Ela teria uma saídapara o Atlântico com as eclusas de Santo Antônio e Jirau, e isso numa área quehoje não tem valor nenhum - não tem valor porque não tem como vocêdesenvolvê-la, porque não tem formas de escoamento... ABr: Esses projetos do Madeira: ainda pode ser que elespassem a ser vistos dessa maneira integrada? Por enquanto parece que nãoestão... Pares: Neste momento, começa a haver umasensibilidade no governo para isso. Nós já tivemos inclusive discutindo isso naPresidência da República, onde antes já existia umGT de monitoramento,acompanhamento e implementação do plano sustentável da BR-163. Nós colocamosessa questão de que não dá para pensar nas hidrelétricas sem um plano dedesenvolvimento sustentável da área de influência delas. Nós, do Ministério do Planejamento, temos defendido anecessidade de fazer, em dois momentos, os seguintes passos: primeiro, umaavaliação ambiental estratégica, não apenas nas hidrelétricas, mas no conjuntodas obras da região – nisso, nos estamos evidentemente coincidentes com oMinistério do Meio Ambiente. A idéia é fazer um plano de desenvolvimento sustentável daárea de influência de todo o rio Madeira, inclusive a montante dashidrelétricas – e incluindo a própria Bolívia, se, evidentemente, a Bolíviaentender que isso é importante. O objetivo seria compreender a integração comoum todo, e não simplesmente os problemas energéticos. Em seguida, nós iríamos a uma avaliação ambientalestratégica, ou uma avaliação de sustentabilidade, a um plano dedesenvolvimento sustentável da região, a longo prazo. Do meu ponto de vista,não dá para pensar num projeto para os 7 anos de construção. Tem que ser para20, 30 anos de operação, no mínimo. Senão, estaremos fazendo um plano pararesolver os problemas dos empregados que estão trabalhando na hidrelétrica, enão para resolver os problemas e aproveitar as oportunidades que aquela regiãotem. ABr: No momento atual, qual é a tendência do governo? Pares: Eu sinto que há no governo um dilema. È umdilema do qual eu mesmo compartilho, aliás: há uma dificuldade séria em termosde restrições energéticas e, ao mesmo tempo, uma necessidade de fazer bem ascoisas. Eu queria que a sociedade, todo mundo que se coloca a favor ou contra oprojeto, fizesse parte desse debate. O Ministério do Meio Ambiente tem muita clareza disso: oproblema não são as hidrelétricas do Madeira, é a velocidade das urgências e anecessidade de se fazer diferente. Para amadurecer dentro da burocracia e daprópria comunidade a idéia de que nós podemos fazer diferente leva tempo, e avelocidade da urgência parece ser maior. Temos que desmobilizar essa bomba. Vou dizer claramente o que eu penso: eu faria primeiro SantoAntônio, porque a sedimentação de Santo Antônio certamente não vai atingir aBolívia. Nós temos estudos matemáticos que parecem dar conforto ao projeto. Oshidrólogos, de maneira geral, todos dizem que as condições doMadeira sãoexcepcionais, porque há ali alta sedimentação, o rio carrega uma altaquantidade de sedimentos, a uma velocidade elevada. Com as obras, evidentemente, a velocidade da água vaidiminuir, e a sedimentação vai aumentar. Por isso, seria necessário fazermosmodelos de simulação e, para isso, eles precisam de dois a três anos. Comotemos um problema sério de saber o que vai acontecer, façamos primeiro SantoAntônio: a barragem é elevada, mas a lâmina d'água é menor. ABr: Não há perigos envolvidos? Pares: Nós temos que compreender o jogo. Não o jogodos interesses, o jogo dos riscos. Temos que aprender a fazer gestão dosriscos, e os riscos não estão situados só no meio ambiente, estão na áreaeconômica, na área social. Você não pode parar a economia em nome do meioambiente, mas também não pode destruir o meio ambiente em nome dodesenvolvimento econômico. Essa gestão de risco precisa amadurecer, e a gente tem quepoder encontrar criatividade. Aqui não é um jogo de palavras, estou dizendo:uma possibilidade seria isso, por que não pensar no escalonamento? Vamos pegarSanto Antônio primeiro, dois anos depois fazemos Jirau. Se trata de desarmar osespíritos e de buscar entender que as velocidades têm que poder se encontrar navelocidade de uma concertação. Para isso, é importante que os diferentes órgãos públicos,seja no estado, na União, ou no município, deixem de operar numa visãoexclusivamente setorial. Um dos grandes desafios do Estado contemporâneo é o decriar governança, democracia, transparência, controle social. O outro é aintegração das políticas. É um desafio tão importante quanto o primeiro, porquea realidade não é fragmentada. Você pode agir de maneira especializada, comoquem divide uma linha de montagem, mas a gestão tem que poder ser integrada,ainda que cada um faça o seu papel.

ABr: A necessidade de revisão dos critérios ambientaisrelacionados às obras, conforme reclamou recentemente o presidente Lula, seriaalgo como isso, uma “gestão de riscos”? Pares: Eu não tenho dúvida. Eu sinto que o presidenteLula está numa situação difícil, porque o governante não pode esperar. Ogovernante tem que achar o que nós chamamos na gestão de risco de “tércius”. Nomundo inteiro, tem sido quase sempre essa mesma experiência: quando há riscos,não há uma solução clara, não há outra forma senão buscar um consenso nasociedade. Leia também a primeira parte da entrevista.