Grandes obras sul-americanas devem tornar-se projetos de desenvolvimento, defende secretário

13/12/2006 - 23h29

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Asgrandes obras consideradas prioritárias para a integração do continentesul-americano devem se tornar oportunidades para a elaboração de grandes planosde desenvolvimento local e regional. A tese é do secretário de Planejamento eInvestimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão,Ariel Pares.Na semana passada, o secretário, que é também o coordenadorbrasileiro da Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura RegionalSul-Americana (Iirsa), esteve em Cochabamba, na Bolívia. Lá, Pares participoude debate com movimentos sociais de todo o continente sobre as grandes obras deinfra-estrutura destinadas à integração da América do Sul.“O que temos é que fazer diferente os grandes projetos, nãonegar sua importância”, afirmou o secretário, em entrevista exclusiva à AgênciaBrasil. Ele dá como exemplo o processo realizado pelo governo brasileiro emtorno das obras de pavimentação da BR-163, a Cuiabá-Santarém. “Antes de fazer aobra, é preciso pensar em um plano desenvolvimento sustentável na área deinfluência dela.” O tema das grandes obras gerou também algumas das principaisdiscussões na 2a Cúpula da Comunidade Sul-Americana de Nações, queaconteceu de forma simultânea ao evento a que Pares esteve presente, a CúpulaSocial pela Integração dos Povos. Em 2000, representantes de governos de toda a América do Sulresolveram dar um impulso na integração da infra-estrutura do continente pormeio da criação da Iirsa. A Iirsa constituiu-se num levantamento assistemático dasobras consideradas prioritárias pelos diferentes governos da região paraatingir as metas da integração. O objetivo era identificar e alavancar essesprojetos. No caso brasileiro, foram propostas, por exemplo, a duplicação darodovia BR-101 Sul, com o objetivo de criar o chamado Corredor do Mercosul,além de várias pontes, nas fronteiras com Paraguai, Guiana, Uruguai e Peru, porexemplo. Pelo volume de dinheiro (US$ 6,2 bilhões até 2010, US$ 38bilhões ao todo), número de projetos (335 ao todo, sendo 31 prioritários até2010) e abrangência (os 12 países sul-americanos), a Iirsa foi um dosprincipais temas de discussão por parte dos movimentos sociais em Cochabamba.Leia a seguir os principais trechos da entrevista com Pares. 

Agência Brasil: Os movimentos sociais docontinente demonstram receio de que as grandes obras de infra-estrutura queestão nos planos da Comunidade Sul-Americana de Nações se constituam na basepara a perpetuação de um modelo econômico voltado para o mercado externo, paraas exportações de recursos naturais, e mantendo um padrão gerador dedesigualdades e injustiças sociais em nossos países. Esse receio se justifica?Ariel Pares: É preciso mais tempo para fazer essedebate. Não há posições fechadas. Para mim, a sensação é que há desinformação.Eu sinto a falta sistemática de uma maior transparência e de uma maior aberturaao debate, de uma maior capacidade de compreensão dos desafios, e também do queimplicam os projetos. A integração sul-americana precisa de grandes projetos, etambém de pequenos e médios projetos. Mas são os grandes projetos que vãointegrar os nossos países. Eu não falo só de energia, mas sobretudo de logística,que é importante para a integração produtiva. Antes de debater uma integração econômica, comercial, delivre comercio, sobretudo, é preciso pensarmos a necessidade de integrarproduções, cadeias produtivas, a partir de uma inter-relação melhor com asfronteiras, e, por isso, a logística é fundamental. O que temos é que fazerdiferente os grandes projetos, não negar sua importância. ABr: Como fazer diferente? Pares: Um exemplo: nós nos defrontamos em 2003,recém-chegados ao governo Lula, com um grande desafio, a pavimentação daBR-163, de Cuiabá a Santarém. Tínhamos muito receio, porque é uma rodovia de1180 quilômetros aproximadamente, em plena Amazônia, numa região aindarelativamente preservada, que é a Terra do Meio. Na época, nós tomamos uma decisão: por que não transformartoda as obras, sobretudo as mais importantes, maiores, as que têm um grandeimpacto, em grandes projetos de desenvolvimento? Em outros termos: antes defazer a obra, é preciso pensar em um plano desenvolvimento sustentável na áreade influência dela. Criamos um grupo multisetorial, multiministerial: gente deCidades, Saneamento, Saúde Educação, Desenvolvimento Agrário (por conta dagrilagem, da ocupação de terras ilegais), Polícia Federal, Ministério daJustiça (por conta dos ilícitos, como na mineração ou nas drogas)... Procuramosenvolver inclusive a Energia, com o programa Luz para Todos (eletrificaçãorural gratuita). Em suma, nós começamos a montar um plano dedesenvolvimento da região, antes de começar a obra. Fizemos duas rodadas de audiências públicas. Primeiro, fomoslá apresentar nossa disposição de entender o que estava em jogo, quem perdia equem ganhava. Depois, montamos um plano de desenvolvimento sustentável em tornoda rodovia, fomos discutir novamente e concluímos. Fizemos, inclusive, algumas alterações nos planos. Eaprendemos uma lição: quando assim se procede, você começa a mudar inclusivedentro do governo a percepção da importância desses projetos, começa a mudar apercepção que a comunidade tem dos riscos ou não de um projeto. É isso que euquero dizer quando falo que precisávamos fazer diferente com essas obras. Hoje,você vê a BR 163: é uma rodovia desejada até pelo movimento ambientalista, quetinha desconfiança. ABr: Mas existe espaço para que esses projetos no âmbitoda Comunidade Sul-Americana resultem em algo semelhante? Que se tornem planosde desenvolvimento, e não apenas obras? Pares: Sim. A medida imediata disso foi quando, noano passado, nós colocamos na agenda da Iirsa que todos os grupos de projetos(porque a Iirsa está montada por eixos e agrupamentos de projetos) passarão poruma revisão em 2007. A nossa idéia é fazer essa revisão com o conceito deavaliação ambiental estratégica. Existe uma metodologia para isso, a Caf(Corporação Andina de Fomento) está envolvida. Isso vai melhorar a qualidadedos projetos, a percepção de riscos. Mas, ainda, os países têm que se concertarpra que isso seja prioridade da América do Sul, não de um ou outro paísisoladamente, porque nós estamos falando de programas e projetos integrados. Outra coisa importante: essas agências multilaterais definanciamento, como Caf, Bid (Banco Interamericano de Desenvolvimento),Fonplata (Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata) estão jáintroduzindo o fruto de uma experiência negativa de projetos que estãorealmente dando problemas (eu penso no gasoduto de Camisea, como exemplo – emoperação desde 2004, em plena Amazônia peruana, já gerou diversos acidentesambientais) e estão repensando a forma de aprovar e de avaliar projetos. Isso é um fato importante – é de bastidor, às vezes nãoaparece, mas veja o que está por trás disso. Primeiro, se está começando apensar em projetos integrados, ou seja, os impactos agregados, positivos enegativos, uns inclusive fertilizando os outros. Segundo, os projetos de infraestrutura já estão sendo discutidos em relação ao território onde estãolocalizados, para que se possa inclusive medir os impactos do conjunto, e nãode uma obra isoladamente. Fazendo assim, você encaminha para uma idéia de quenão está financiando um projeto de infra-estrutura, e sim um projeto dedesenvolvimento. Ato contínuo, toda a avaliação ambiental estratégica leva emconta a base produtiva e a base social, porque a questão social também éimpactante no meio ambiente. A pobreza, nós sabemos, também é um problema deimpacto ambiental.Leia também a segunda parte da entrevista.