Domínio da TV no país obriga candidatos a investir no horário eleitoral, avalia pesquisador

17/08/2006 - 0h56

Da Agência Brasil
Brasília - Num país em que três a cada cinco eleitores não chegaram a completaro ensino fundamental, é grande o poder da televisão de influenciar a visão demundo dos telespectadores. Apesar disso, o horário eleitoral gratuito nemsempre é decisivo na definição do voto, avalia o professor Venicio Lima, doNúcleo de Estudos e Pesquisas em Mídia Política da Universidade de Brasília. “No geral, para a grande maioria da população, o voto é umadecisão sedimentada ao longo do tempo”, disse ele, em entrevista ao SistemaNacional de Rádio, da Radiobras. “Os candidatos são pessoas que têm imagenspúblicas, que foram sendo construídas ao longo do tempo.” No fim das contas, avalia Lima, a própria existência do horárioeleitoral obriga os candidatos a investirem nele. “É por isso que é uma corridaatrás do próprio rabo. O horário eleitoral leva os candidatos a essa situação.” Leia a seguir os principais trechos da entrevista, em que opesquisador critica também a falta de transparência em relação ao ressarcimentofeito às emissoras de rádio e televisão pela transmissão do horário eleitoral “gratuito”, que começou esta semana em todo o país e segue até 28 de setembro. Radiobrás – O horário da propaganda política norádio e televisão alcança seus objetivos? Venício Lima - Alcança-se o objetivo? Depende comqual objetivo se está trabalhando. Porque o objetivo na verdade é dar aconhecer ao eleitor o candidato e suas propostas. Nesse sentido, eu acho que sepode dizer que pelo menos a Justiça Eleitoral dá oportunidade para que issoaconteça, porque, durante esse período, de acordo com regras fixadas por lei,cada candidato tem mais tempo, ou menos tempo, dependendo de sua filiaçãopartidária, ou da coligação que faça, para se apresentar em cadeia nacional,tanto de rádio, como de TV, para o conjunto eleitoral. Radiobrás – Essa propaganda política dita “gratuita” égratuita para quem?Lima - A gratuidade é um recurso, vamos dizer assim,discursivo, para nomear esse tempo, porque na verdade ele não é gratuito. A leieleitoral, já há muitos anos, eu não saberia, agora, aqui de cabeça precisardesde quando, mas ela prevê o ressarcimento fiscal para as emissoras de rádio etelevisão do tempo utilizado como horário de propaganda eleitoral. Não só depropaganda eleitoral, como aquela propaganda partidária, que também énormatizada por lei e que acontece mesmo em período não eleitoral. Na verdade, esse é um buraco negro, não se consegue saberexatamente o valor do ressarcimento, mas há uma suspeita, inclusive, de quealguns veículos utilizariam, para fazer a conta do ressarcimento fiscal, ospreços de tabela do horário, e isso elevaria o custo para efeito deressarcimento. Então, em alguns casos, o horário eleitoral acaba sendo um bomnegócio para alguns veículos. Radiobrás – Acompanhando o candidato no rádio ou natelevisão, o eleitor, realmente, tem como definir o seu voto?Lima - As pesquisas que eu já fiz reforçam minha postura: eu soudaqueles que acreditam que o voto não é uma decisão que é tomada de últimahora, a não ser em casos de segmentos muito específicos, em condições muitoespecíficas. No geral, para a grande maioria da população, o voto é uma decisãosedimentada ao longo do tempo. Sobretudo nas eleições para presidente daRepública. Os candidatos são pessoas que têm imagens públicas, queforam sendo construídas ao longo do tempo. Os candidatos atuais, que estão defato competindo, são figuras públicas já há algum tempo, então os eleitores vãoconstruindo essa imagem, que é um dos fatores que leva à decisão do voto. O horário eleitoral pode, em alguns casos, ser decisivo: seacontece algum fato extraordinário, não previsto, inusitado. Mas, afora isso,por exemplo, nas eleições presidenciais de 89 para cá, desde aredemocratização, nenhum candidato a presidente que estava na frente antes dohorário eleitoral perdeu as eleições. Radiobrás – Considerando tudo isso, por que, então, seinveste dinheiro tão alto na produção desses programas?Lima - É que é melhor estar neles do que não estar neles. E estandoneles, aí tem um outro problema, que o horário eleitoral, na sua idéia original,seria um espaço em que a política poderia se apresentar, e os políticospoderiam se apresentar numa linguagem diferente da linguagem dominante,hegemônica, da narrativa da televisão. Mas, com o tempo, a televisão passou a ocupar um papel tãocentral na construção da nossa realidade, na representação das coisas, que osprogramas eleitorais começaram a ter que ajustar a sua linguagem, a suanarrativa à linguagem, a narrativa dominante da televisão – que é uma narrativasofisticada, do ponto de vista de imagem. O nosso telespectador está acostumado. É, inclusive, umparadoxo da realidade brasileira, porque nós temos um percentual grande danossa população que ainda é analfabeta, ou analfabeta funcional, e, no entanto,é altamente sofisticada em termos de consumo de imagens, por causa da nossatelevisão comercial, do entretenimento que ela oferece, do tipo de jornalismoque ela oferece. Então, os programas eleitorais, ao contrário daquelaperspectiva inicial, em se querer que fosse um espaço que se diferenciasse doconjunto do espaço da mídia comercial normal, eles acabaram tendo que seajustar a ela, e fazer isso custa muito caro. E se o candidato não estiver lá,ou se estiver lá com uma linguagem diferente da linguagem dominante, ele podeperder pontos com isso. Então é por isso que é uma corrida atrás do própriorabo. O horário eleitoral leva os candidatos a essa situação. Radiobrás –  Professor, qual a relação que as pessoas estabelecem com essesprogramas?Lima - Essa relação varia. Há programas eleitorais que conseguem,inclusive, conquistar a simpatia da audiência, do ponto de vista do programa emsi mesmo. São programas criativos, que conseguem atrair a audiência. Quando oprograma não consegue isso e tem ainda uma crítica – que, do meu ponto de vista,é uma crítica paradoxal, meio contraditória, da própria mídia –, o espectadorou ouvinte recusa. Eu ouvi recentemente, na semana passada, um comentário, senão me engano, do pesquisador Marcos Coimbra, da Vox Populi, falando que aexpectativa de audiência do horário eleitoral é baixa. Se for verdade, issopode indicar várias coisas. Uma das coisas que eu destacaria é que o eleitor jánão vê necessidade de se expor às informações do horário eleitoral para que asua decisão seja tomada.