Ativistas de direitos humanos questionam anistia a agentes da repressão militar

12/08/2006 - 18h15

Cecília Jorge
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Quase três décadas depois de promulgada a Lei da Anistia, movimentos de direitos humanos questionam a validade da aplicação desse benefício a militares que foram responsáveis pela tortura, morte ou desaparecimento de militantes políticos. A vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, explica que a lei foi adotada de forma irrestrita, perdoando tanto os opositores ao regime militar quanto seus torturadores.A Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, garantiu anistia a todos os que cometeram crimes políticos ou conexos entre setembro de 1961 e agosto de 1979. Os atos praticados por militares, policiais ou autoridades nesse período foram considerados crimes conexos e, portanto, eles passaram a ter direito também à anistia. “Essa é uma questão muito séria, que foi interpretada à época, e que foi engolida praticamente pela sociedade brasileira e pela esquerda em geral no Brasil, de que os crimes conexos se referiam aos torturadores”, disse Cecília Coimbra, em entrevista à Agência Brasil. Segundo a ativista, o Brasil é o país mais atrasado na América Latina em relação à revisão e reparação histórica sobre a ditadura. No início deste mês, a Argentina condenou a 25 anos de prisão o ex-policial Julio Simón pelo desaparecimento de um casal e pelo seqüestro da filha deles, em 1978. Foi a primeira condenação no país por crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983). Em 2003, o governo argentino revogou duas leis que liberavam os agentes da repressão da responsabilidade dos crimes cometidos nesse período. “O Brasil, de todos os países que passaram por recente ditadura na América Latina, é o mais atrasado com relação ao resgate da memória histórica e com relação à punição dos responsáveis por aqueles crimes”, disse Cecília Coimbra. Para ela, é preciso que seja feito um processo de recuperação dessa parte da história do país, com a abertura de todos os arquivos da época. Cecília defende também o julgamento dos torturadores. “A tortura, os seqüestros, a ocultação de cadáveres foram instrumentos oficiais do Estado brasileiro e não podem ser colocados como conexidade”, afirmou. “O que o terrorismo de Estado fez neste país nem se equivale aos erros que a esquerda cometeu, e cometeu erros sim ,e a gente tem que assumir isso, mas não se compara”.Cecília Coimbra disse que é importante a sociedade brasileira conhecer quem foram os responsáveis pela repressão militar. “Que essas pessoas assumam os crimes que cometeram para a sociedade brasileira como um todo. Precisamos saber o que aconteceu, como aconteceu, quem são os responsáveis, mesmo que eles possam vir a ser anistiados posteriormente”, defendeu a ativista. Segundo ela, o tema deve ser discutido na Organização dos Estados Americanos (OEA).Para o presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Marcello Lavenère, a punição dos torturadores depende de uma mobilização social que provoque a revisão da Lei da Anistia. “Provas concretas contra todos seria difícil, mas não é por falta de prova. Acho que é por falta de um movimento, uma consciência que imponha e exija essa apuração”, avaliou.Lavenère destacou que, se por um lado o Brasil precisa avançar na apuração dos crimes militares, o país é exemplo na indenização às vítimas da ditadura. “O pagamento que o país faz hoje das indenizações aos perseguidos políticos é uma coisa que não tem em nenhum canto do mundo”. No orçamento deste ano, estão previstos R$ 200 milhões para o pagamento de indenizações a anistiados políticos.Colaborou Lourenço Canuto, repórter da Agência Brasil.