Spensy Pimentel
Enviado especial
Caracas (Venezuela) – Leia a seguir a segunda parte da entrevista do jornalista Gilberto Maringoni à Agência Brasil. Autor do livro "A Venezuela que se Inventa - Poder, Petróleo e Intriga nos Tempos de Chávez", Maringoni fala sobre as acusações de populismo feitas ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Para ele, com o incentivo à organização popular, Chávez poderá "negar a si mesmo".
Agência Brasil: Há quem atribua a forte abstenção, de mais de 70%, nas últimas eleições parlamentares, em dezembro, a uma rejeição aos políticos em geral, mesmo os aliados de Chávez, enquanto ele se fortalece como figura pública de forma isolada. Por que isso ocorre?
Gilberto Maringoni: É preciso olhar para trás. A crise político-institucional que a Venezuela viveu nos últimos 20 anos, que começou com o Caracaço (revolta popular expontânea ocorrida em 1989) e que passa pelo descrédito que os partidos e as instituições em geral tiveram, se reflete numa histórica, altíssima taxa de abstenção.
A exceção foi o referendo revogatório (consulta sobre a permanência de Chávez no governo, em 2004), em que votaram 70% dos venezuelanos. Nas outras eleições, há sempre abstenção da ordem de 60%. Agora, nessa eleição parlamentar de 2005, em particular, foi muito alta. Eu acho preocupante, mas não tenho explicação para isso. O próprio Chávez, no dia em que foram divulgados os resultados, fez um discurso levantando esse problema.
A Venezuela se ressente por conta dessa crise, da perseguição aos movimentos populares nos últimos 40 anos, e ainda de uma organização incipiente do movimento popular. O movimento popular na Venezuela não é organizado como no Brasil, está em processo de montagem. O movimento social é incipiente, o Estado funciona mal e o descrédito das instituições é geral. Tudo isso é preocupante e é um problema para o governo também.
Abr: Há quem veja "populismo" e "ditadura", nesse contato direto que o presidente Chávez mantém com a população, sem mediação institucional, com uma presença forte da figura pessoal dele na comunicação do governo...
Gilberto Maringoni: Ou você tem isso ou tem uma sociedade totalmente desarranjada. O descrédito das instituições não foi feito pelo Chávez, foi pelos governos de direita que arrebentaram o Estado. O Chávez tem feito o papel de tentar unir esses cacos. O fato de ele chamar pra cá o Fórum Social Mundial, abrir o país para congressos de indígenas, jovens, mostra como ele vê essa necessidade premente de organizar a população. O próprio governo precisa dessa organização, até para ter uma sustentação social mais firme, maior.
Abr: Nesse sentido, há quem veja a realização de atividades como o fórum na Venezuela como uma espécie de ato de solidariedade...
Gilberto Maringoni: Também é um ato de solidariedade dele para conosco. Nossa situação no Brasil é péssima. Nós estamos vivendo um processo de desqualificação da política como relação entre interesses e forças muito acentuada e com conseqüências que não sei ainda quais vão ser... Nós temos uma sociedade mais organizada, mas ela está sendo desorganizada. Os movimentos sociais estão confusos.
O Chávez caminha para o lado oposto. É um dirigente populista, sim, isto é, tem relação direta com as massas etc., sem mediação das instituições, sindicatos, igrejas, movimentos sociais. Mas, o que é um líder populista na América Latina? Getúlio Vargas, por exemplo, governou durante o período em que acontecia no Brasil um dos maiores processos de migração do campo para a cidade em todo o mundo. As pessoas chegavam desenraizadas.
A população vê no líder populista um elo de ligação, a cola que une a sociedade. O Chávez assume o poder com uma população que perdeu seus referenciais de ancoragem institucional. Ele tem que reunir esses cacos, mas, com esse incentivo à organização da população, ele, como todo populista, nega a si mesmo.
A massa trabalhadora que Getúlio ajudou a organizar nos sindicatos o derrubou. Não vou dizer que o Chávez vai ser derrubado, mas ele pode negar o populismo ao reconstruir a sociedade venezuelana. O sucesso de Chávez poderá levá-lo a negar Chávez.