Fórum Social na Venezuela pôs militantes em contato com contradições do país, diz autor de livro

04/02/2006 - 8h09

Spensy Pimentel
Enviado especial

Caracas (Venezuela) – Para parte dos participantes do 6º Fórum Social Mundial, as estratégias de resistência ao imperialismo, tema central no evento realizado na semana passada, não foram apenas uma discussão teórica. A estada em Caracas ofereceu a muitos a oportunidade de conferir de perto as realizações (e contradições) do governo de Hugo Chavez, considerado por parte dos presentes como expressão de resistência latino-americana frente aos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que é tratado por seus opositores por termos que variam de "populista" a "ditador".

Autor do livro "A Venezuela que se Inventa - Poder, Petróleo e Intriga nos Tempos de Chávez", o jornalista Gilberto Maringoni falou à Agência Brasil sobre esse contato direto dos participantes do fórum com a realidade venezuelana. Um contato nem sempre tranqüilo, como testemunharam diversos brasileiros hostilizados durante uma manifestação de rua da oposição, no dia 22 de janeiro. "É um processo que muita gente achava que tinha acabado, a luta de classes", explica Maringoni. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil O Fórum Social Mundial sai de Porto Alegre e chega a Caracas. O que muda para os participantes?

Gilberto Maringoni: Fica para nós uma espécie de "dilema tostines": o fórum veio à Venezuela, ou a Venezuela é que foi ao fórum? As pessoas aqui estão vivenciando avanços e impasses do processo político bolivariano. Quem vem para cá, sobe os morros, conversa com as pessoas, participa de um processo de debates.

O fórum cada vez mais se mostra como um processo em andamento e não como um evento fechado em alguns lugares durante alguns dias. O fórum aqui ganha cotidianeidade, para usar um neologismo.

O contato é tanto com o que há de positivo como o negativo. As pessoas vêem que a Venezuela erradicou o analfabetismo, colocou um médico em cada comunidade com o Barrio Adentro, conseguiu aumento dos salários, queda do desemprego. E vêem os pontos negativos, que podem ser sintetizados na ponte que partiu.

Agência Brasil Por que a ponte é uma síntese?

Gilberto Maringoni: É que eles conseguiram vencer uma etapa muito dificil, os grandes enfrentamentos políticos, como o golpe, o locaute dos empresários, toda a sabotagem que a oposição faz pela imprensa. Mas está faltando uma administração cotidiana dos bens públicos.

É um governo que melhora o nível de vida da população, erradica o analfabetismo etc., mas deixa uma ponte quebrar, deixa lixo na rua, iluminação pública precária. São avanços e recuos, os dilemas da revolução bolivariana.

As marchas da oposição hoje reúnem 30 mil pessoas, é muito menos que o que eles já fizeram, com golpe, locaute etc. As manifestações da oposição não são hoje o grande problema, o grande problema é manter a infra-estrutura, administrar o país.

Abr: Agora, o contato das pessoas que chegam de fora nem sempre é tranqüilo, não? Há uma tensão que persiste.

Gilberto Maringoni: Essa tensão é a tensão de qualquer processo de transformação. O processo de transformação da Venezuela é um processo que não atacou nenhum grande interesse das classes dominantes. Você não teve um processo de desapropriação de terra, uma estatização das empresas, não teve os grandes interesses bloqueados, contrariados.

O processo não chegou ainda numa revolução, eles ainda não estão fazendo uma revolução. O Estado não foi ainda desobstruído de seu caráter antidemocrático, ineficiente. Isso que nós estamos falando, lixo, ponte, iluminação, são a expressão mais clara dessa realidade. Se você vai às missões do Barrio Adentro, elas ainda não fazem parte do Ministério da Saúde. Nos hospitais públicos regulares, o atendimento é precário. Da mesma forma, as missões de alfabetização ainda não atingem as escolas públicas. Você tem um atendimento sendo feito à parte da estrutura do Estado, é uma situação de emergência, eles estão apagando incêndio.

Agora, com tudo isso, o governo venezuelano é o pólo mais avançado disso. Por isso, há enfrentamento, você é hostilizado na rua, vai ser xingado em alguns setores da cidade se for identificado com um setor pró-governo. Por outro lado, se você for aos morros, ao 23 de Janeiro, ao bairro de Kátia, vai ser bem tratado. É um processo que muita gente achava que tinha acabado, a luta de classes.