Chávez e Fórum Social Mundial têm interesses comuns, mas mantêm autonomia, avaliam organizadores

31/01/2006 - 15h03

Daniel Merli
Repórter da Agência Brasil

Caracas (Venezuela) – Em meio à diversidade de discussões levadas ao 6º Fórum Social Mundial, houve um consenso entre estrangeiros e venezuelanos, ligados ou não a organizações bolivarianas, que participaram do encontro internacional: apesar de forte, a presença do presidente Hugo Chávez não interferiu na programação do fórum, que terminou no último domingo (29). "Já temos nossos próprios espaços de solidariedade para a Venezuela, não há qualquer motivo para tentar se apropriar do fórum ou fazer dele um apêndice do bolivarianismo", avaliou Jacobo Torres, integrante do Comitê Organizador na Venezuela.

Na entidade, ele representa a Força Bolivariana de Trabalhadores, uma corrente sindical que apóia Chávez. "Mas é óbvio que governo e fórum têm interesses em comum e muitos vínculos", disse. "Se o mundo está aqui, obviamente vai ter algum tipo de contato com a realidade venezuelana, e isso nos interessa", acrescentou, para reiterar que qualquer representante do governo nunca interferiu na organização do Fórum Social ou em seus debates.

"O fórum não é etéreo. Ele acontece em lugar e espaço definidos, e está sujeito a absorver essa realidade de algum modo", diz o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, que representa no Comitê Organizador o Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso). Um quarto das atividades inscritas no Fórum Social, segundo ele, foi proposto por organizações venezuelanas. "O fato de que muitas falem de políticas desenvolvidas em parceria com o governo, como os comitês de água e de terra urbana, faz parte da realidade venezuelana", avalia.

O sociólogo afirma que, na Venezuela, a população tem se organizado de forma diferente de outros países: em vez de criar sindicatos para pressionar o governo, os venezuelanos têm assumido estruturas de controle do Estado. Segundo ele, por um lado isso aumenta a democratização da máquina pública; por outro, corre-se o risco de que o governo dirija as instituições. "Hoje, na Venezuela, estão acontecendo essas duas coisas ao mesmo tempo", alerta. "Mas o futuro dessa contradição não é claro."

Lander também nega a interferência de Chávez na organização do Fórum Social Mundial. Assim como o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, que integra o Conselho Internacional do Fórum. "Mas é óbvio que há um certo desconforto de muitas organizações quando, depois de lutar por uma agenda por mais de 20 anos, chegam a um país em que o presidente quase lhes rouba a agenda", ironiza Santos. "Por defenderem a mesma plataforma, cria-se um problema de protagonismo: quem vai liderar essas agendas?", questiona, para dizer, em seguida, que Chávez teve uma atitude "muito correta" com o fórum, respeitando sua autonomia.