Campanha presidencial impediu zapatistas de participar do Fórum Social Mundial, diz professora

31/01/2006 - 6h08

Spensy Pimentel
Enviado especial

Caracas (Venezuela) - Os representantes do Exército Zapatista de Libertação Nacional foram uma das principais ausências no 6º Fórum Social Mundial, que terminou neste domingo (29). A presença de uma delegação oficial de zapatistas ou de seu porta-voz, o subcomandante Marcos (agora chamado de Delegado Zero), chegou a ser esperada pela própria organização do fórum. A proximidade das eleições presidenciais mexicanas, em 2 de julho, pode explicar a ausência, diz a cientista social Ana Esther Ceceña, da Universidade Autônoma do México.

Autora de diversos estudos sobre os zapatistas, Ceceña lembra que, atualmente, a organização está dedicada a realizar o que os rebelados do estado de Chiapas chamam de a outra campanha. A idéia é que, enquanto os candidatos a presidente apresentam suas propostas de governo, os zapatistas divulguem publicamente por todo o México suas próprias idéias sobre o melhor para o futuro do país, mas sem apoiar nenhum candidato - uma espécie de ação pedagógica que começou no final do ano passado.

"A outra campanha lhes está roubando as energias. Eles estão num esforço para falar com as pessoas e, no atual contexto mexicano, não está fácil", diz Ceceña. "Como estamos em plena campanha presidencial, a mídia está toda tomada pelos candidatos. Fica mais difícil ser ouvido".

Apesar das dificuldades, Ceceña acredita que há perspectiva de apoio para os zapatistas. "Muita gente se abstém nas eleições. Penso que toda essa gente vai se incorporar à outra campanha", afirma.

Organizando-se clandestinamente no sul do México desde os anos 70, os zapatistas surgiram para o público de todo o mundo em 1º de janeiro de 1994, quando desceram das montanhas do estado de Chiapas, tomando municípios da região, habitada por índios de origem maia (império pré-colombiano da América Central).

De lá para cá, eles não entraram mais em conflito armado com as autoridades mexicanas e assumiram o controle político de parte da região. Foram montadas as chamadas "juntas do bom governo", baseadas em princípios da democracia participativa, e outras instituições para garantir direitos básicos à população, que se considerava marginalizada pelo Estado mexicano.

A opção dos zapatistas de não lutar pelo controle de um poder central, e sim por dissolve-lo, explica Ceceña, não é contraditória em relação à estratégia oposta, de grupos indígenas como o de Evo Morales, recém-empossado presidente da Bolívia. "São maneiras distintas de entender o processo. No caso dos zapatistas, é a aposta no longo prazo. Penso que no futuro as duas opções vão se encontrar. E as duas também terão problemas ao longo do processo".

Para a professora, enquanto o desafio dos grupos que optam por assumir o poder estatal é manter a identidade dos movimentos sociais, no caso dos zapatistas a questão é como criar "institucionalidades" que possam fazer o movimento avançar. "O poder é algo que está diluído em todas as esferas da sociedade. Os zapatistas crêem que tomar o poder do Estado não é a melhor maneira para desmontar essas redes de poder".

Como exemplo de instituições que estão sendo criadas no Chiapas, Ceceña cita o caso da Justiça, que vem assumindo contornos apoiados nas tradições indígenas, em vez de no direito romano. "É uma justiça reconstrutiva, não é punitiva. Por exemplo, se um sujeito mata o outro, em vez de ser preso ou morto, pode passar a ter a responsabilidade de sustentar a família do morto".