Especialista em LER espera consolidação da política integrada de saúde do trabalhador

27/11/2005 - 7h59

Aloisio Milani e Danielle Coimbra
Da Agência Brasil

Brasília - A médica paulista Maria Maeno é uma das principais especialistas na doença ocupacional que ficou conhecida no Brasil como Lesões por Esforço Repetitivo (LER). Coordenadora do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador de São Paulo, Maria foi eleita para ser um dos 1.500 delegados que participam da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador em Brasília.

Antigamente só relacionada com os digitadores, a LER atinge hoje diversas categorias profissionais como embaladores, vidreiros, escolhedores de peças, abatedores de frango, cortadores de cana-de-açúcar, bancários, caixas de supermercado, funcionários do comércio, pessoas que fazem marcação de preços, operadores de teleatendimento, professores, fisioterapeutas, jornalistas e químicos.

Na opinião da especialista, a discussão da saúde do trabalhador não pode se restringir às doenças. Para ela, é preciso debater como o poder público, as empresas e, sobretudo, os trabalhadores que pensam e organizam a prevenção, a fiscalização e o atendimento. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Maria Maeno conta a expectativa dos delegados para a consolidação da política integrada envolvendo os gestores da saúde, previdência e trabalho.

Agência Brasil: A LER tem ganhado muita atenção pelo número de trabalhadores afetados. Quais são as causas desta doença que se adquire no trabalho?

Maria Maeno: São quatro grupos de causas. O primeiro é a organização do trabalho. A forma como o trabalho é organizado, para que a empresa produza o serviço ou o produto desejado. Então isso requer uma estrutura hierárquica, uma estrutura organizacional bastante complexa muitas vezes, e cada trabalhador desempenha as suas atividades de acordo com o que é prescrito pela empresa para que ele realize e, em conseqüência, tenha o produto final. O que nós vemos hoje nas empresas é um número de procedimentos muito grande, porém uma diminuição do quadro de trabalhadores em quase todos os ramos de atividades. Mais trabalho para menos trabalhador, o que acarreta em dano, prejuízo, atingindo a musculatura e também o ponto de vista psíquico, já que a pessoa fica esgotada.

O segundo grupo são as metas de trabalho, sobretudo, a determinação de metas pela empresa sem um acordo com os trabalhadores, quer dizer, as metas são definidas unilateralmente pelas empresas, e os trabalhadores têm que se virar para cumprir isso. A coisa mais comum que a gente ouve é o trabalhador dizer que não consegue cumprir as metas, e essa pessoa fica desesperada, obcecada e acaba também tendo prejuízo psíquico. O trabalhador não tem tempo de recuperação física e psíquica e acaba adoecendo.

ABr: Há interferência das estruturas físicas dos locais de trabalho também?
Maria: Sim. No terceiro grupo de causas, podemos identificar os fatores biomecânicos, ou seja, os movimentos que o trabalhador é obrigado a fazer para desempenhar as suas atividades profissionais. Isso é definido em boa parte pela organização do trabalho, porque você fazer 3 mil, ou 5 mil movimentos no dia, isso é definido por uma forma de organização que o trabalho tem naquela empresa.

E o mobiliário também influencia, já que muitas vezes são inadequados. São eles ar condicionado, calor excessivo, frio excessivo, iluminação ruim, tudo isso condicionando a posturas que são altamente inadequadas ao paciente, ao trabalhador.

Além disso, o último grupo é composto pelos fatores psicossociais: o clima da empresa, como o trabalhador se sente na empresa; se se sente parte integrante, parte de uma equipe, o trabalho dele é valorizado. Se ele tem uma relação boa com os colegas, a empresa propicia uma relação boa entre os colegas ou estimula a competitividade, estimula a atingir metas a qualquer custo, ou não tem transparência nos critérios de promoção ou rebaixamento.

As empresas buscam os caminhos que lhe parecem mais fáceis. Muitas acham que a maior parte das doenças ocupacionais poderia ser eliminada ou controlada por vontade do trabalhador. Quando nós sabemos que não, porque a maior parte das doenças ocupacionais só pode ser prevenida se houver uma mudança nas condições do trabalho, na organização do trabalho e não no trabalhador.

ABr: Qual o principal desafio para a Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador?
Maria: O nosso grande desafio é ter uma Política Nacional de Saúde do Trabalhador. O desafio principal é que essa política, que foi elaborada basicamente por três ministérios ou três campos mais diretamente envolvidos com a questão de saúde do trabalhador - Saúde, Trabalho, Previdência - que esse plano consiga atingir a área da economia, do Planejamento, da Fazenda, do Meio Ambiente e da Educação.

Nós temos que atingir necessariamente os vários campos de atuação do governo. Porque não adianta nada nós, da área social, discutirmos que saúde do trabalhador é importante se na área econômica também não se levar em conta isso. Uma empresa vem se instalar no Brasil e o prefeito tem que pensar que a empresa, além de trazer emprego, tem que trazer saúde, e não gerar doenças e acidentes. No final das contas, essa empresa acaba onerando o próprio município, que vai ter que tratar dos pacientes e, ao mesmo tempo, arcar com aqueles que são demitidos pelas empresas.

Hoje nós temos uma situação em que as empresas acabam adoecendo os trabalhadores e quem acaba pagando é a sociedade. Perde o Sistema Único de Saúde (SUS), a Previdência Social e a Assistência Social de forma direta. É essa realidade que nós temos que mudar e é um desafio que, a partir dessa conferência, nós temos pela frente.