Abusos nas Forças Armadas são sistemáticos, diz vice-presidente do Tortura Nunca Mais

18/11/2005 - 13h42

Michèlle Canes
Da Agência Brasil

Brasília – A tortura dentro das Forças Armadas é sistemática, de acordo com a vice-presidente do grupo militante carioca Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra. "Isso que aconteceu no Paraná é um cotidiano nos treinamentos militares, não só nos batalhões de polícia especial, polícias militares e em alguns seguimentos das forças armadas", disse.

Em vídeo divulgado recentemente, novatos da 2ª Companhia de Fuzileiros de Curitiba são recebidos com trotes como afogamento com balde d´água, chineladas, choques elétricos e simulação de queimadura com ferro de passar roupa, uma tática de tortura psicológica. No começo da sessão, um sargento explica que o trote é uma tradição.

O Tortura Nunca Mais, segundo Coimbra, está preparando uma nota que será enviada à Presidência da República, ao Ministério da Justiça, de Defesa e aos militares, pedindo que casos de tortura como os que aconteceram no 20º Batalhão de Infantaria Blindado do Exército, em Curitiba, sejam coibidos. O Exército afastou o comandante do batalhão e instaurou Inquérito Policial Militar para investigar a tortura contra sargentos recém promovidos.

"Esse tipo de treinamento onde o sujeito é colocado sob tortura, violando os seus direitos mais elementares, isso é cotidiano, lamentavelmente. Esse é um assunto considerado até hoje tabu pelos diferentes governos e nada é tocado quanto a isso", disse Coimbra.

De acordo com o assessor de Comunicação Institucional do Ministério Público Militar, Herbert Vilson França, a procuradora-geral Maria Ester Henriques Tavares declarou à imprensa recentemente que a prática de tortura nas Forças Armadas não é comum. Segundo ele, nos dez anos de atuação da procuradora no órgão, no máximo dois ou três casos semelhantes foram registrados.

Cecília Coimbra é membro do grupo que produziu um relatório entregue à Organização das Nações Unidas em 2001 sobre o assunto. "Estivemos na comissão contra tortura da ONU em Genebra. Foi uma coisa extremamente impactante, porque pela primeira vez se falou de denúncia de tortura a morte ocorridos durante treinamentos nas forças armadas. O governo brasileiro na época estava lá, e o governo não soube responder".

No relatório são apresentados 23 casos de tortura que aconteceram nos anos 90 e têm como desfecho doenças psicológicas, traumas, mortes e suicídios. Entre eles há histórias de três pessoas que passaram por violências físicas e psicológicas na Aeronáutica do Rio de Janeiro. "Estão vivas, mas duas delas ficaram totalmente psicóticas. Essas pessoas se transformaram em fantasmas, de tanta tortura que sofreram, e estão internadas inclusive", afirma.