Thais Leitão
Repórter da Agência Brasil
Rio - Na segunda parte da entrevista concedida à Agência Brasil, o rapper MV Bill fala sobre a popularização do hip hop e a assimilação de outros ritmos brasileiros. Diz ainda que as letras das músicas trazem denúncias semelhantes porque a situação de desigualdade não mudou. "Pode parecer que temos um discurso repetitivo, mas as questões relativas à saúde, ao trabalho, à educação, à violência não foram resolvidas. A gente precisa voltar para lembrar que ainda vivemos um mito de democracia racial".
Abr - O hip hop tem passado por um processo de popularização e acaba atraindo muitos jovens de classe média, que se interessam pelo ritmo e pela estética do movimento, mas não compartilham da realidade das periferias. Isso enfraquece o movimento?
MV Bill - Depende da maneira como tudo isso é encarado. Se eles se interessam ou refletem sobre as letras, é bom porque abre caminho para um diálogo entre as classes, possibilitando reverter o quadro de desigualdade sem o uso da violência. Mas quando acontece como apropriação de uma cultura, quando o estilo começa a agradar a todos porque existe a idéia que para ser bom precisa ser legitimado pelo branco, pela elite, qualquer movimento acaba prestando um "desserviço" à sociedade.
Abr - Alguns rappers brasileiros, como o Marcelo D2, o Happin Hood e você, misturam o rap a outros estilos musicais, como o samba, o reggae e até a MPB. O que isso representa?
MV Bill - O hip hop foi se espalhando pelo mundo e assimilando culturas de vários países. É possível identificar o Japão no hip hop japonês, Cuba no hip hop cubano, a Inglaterra no hip hop inglês. Há cerca de cinco anos faltava o Brasil no hip hop brasileiro. Hoje, nós já conseguimos alcançar esse espaço e brigar pela nacionalização da nossa música. Fico feliz quando vou a Pernambuco e vejo que o rap está misturado com o maracatu, ou no Rio de Janeiro com o samba. Essa mistura é que vai dar o tom do nosso país e o tamanho da musicalidade que ele tem.
Abr - No livro Cabeça de Porco, recém-lançado, que você escreveu em parceria com o seu empresário, Ceslo Athaíde, e o antropólogo Luiz Eduardo Soares, há exemplos da apropriação de termos e comportamentos típicos das favelas do Rio em outras regiões do Brasil. O que isso representa?
MV Bill - O Rio sempre esteve mais presente da mídia em todos os assuntos. Com o crime acaba não sendo diferente. Trata-se de um modelo exportado. Na pesquisa que eu fiz junto a diversas periferias para escrever o livro, acabei percebendo que a mesma droga que é a causa da tragédia para algumas famílias, também é a salvação da renda de outras. É necessário criar novos modelos, novas referências para esses jovens não acharem que o tráfico é uma grande opção para quem nasce no time das impossibilidades.
Abr - E a questão da segurança pública?
MV Bill - Não dá para tratar o tráfico de drogas como questão de segurança pública, é preciso enxergá-lo como um problema social. Se não, vai se repetir eternamente o que tem marcado a história do Brasil: o único público que entra nas favelas com freqüência é a polícia. É preciso mudar essa mentalidade.