Para Gegê, projeto de habitação de interesse social é pouco, diante da carência de reforma urbana

14/05/2005 - 17h48

Janaina Rocha
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Na pauta do plenário do Senado, está o projeto de iniciativa popular que cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e regulamenta o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). "É pouco", lamenta, em entrevista à Agência Brasil, Luiz Gonzaga da Silva, dirigente da Central de Movimentos Populares e um dos coordenadores do Movimento de Moradia do Centro de São Paulo.

Para o militante, conhecido nacionalmente como Gegê, o projeto "era para estar aprovado e em pleno vapor no governo do presidente Lula", que, segundo ele, foi um dos primeiros a assinar a lista de mais de 1 milhão de assinaturas pelo projeto.

Neste momento, Gegê vive um momento delicado. Chegou a ficar preso por 51 dias, sob a acusação de co-autoria de um homicídio, ocorrido há mais de dois anos em São Paulo. Segundo a publicação "Direito à Moradia" do Instituto Pólis, baseada na Missão Conjunta da Relatoria Nacional e das Nações Unidas, "várias organizações e entidades de direitos humanos se manifestaram na ocasião, observando que essa prisão teria características de prisão política".

Na entrevista, concedida por telefone, Gegê também fala sobre a possível desocupação do imóvel de n.º 63, na Rua Ouvidor, no centro da cidade de São Paulo, um caso emblemático, segundo ele, da ausência de diálogo entre os governos federal e estaduais em relação a "áreas de interesse social". Leia a seguir os principais trechos da conversa.

Agência Brasil - O prédio 63 da rua Ouvidor, no Centro, é a mais antiga ocupação de um prédio do Estado da cidade de São Paulo, em 1997. São 87 as famílias que moram no local. Amanhã, elas podem ser despejadas, segundo ordem judicial. O que foi feito, até hoje, para se tentar solucionar esse impasse?

Gegê - O despejo da Rua do Ouvidor não é um despejo qualquer. Ele mostra que temos de ficar atentos para o seguinte: o governo federal, eleito pelo povo, não consegue ter um entrosamento com os governos estaduais para evitar esse tipo de ação. Acho que a compra do prédio da rua do Ouvidor seria muito importante: um lembrete do governo federal, da Caixa Econômica Federal, do Ministério das Cidades.

Mas a reforma urbana tem de ser feita entre sociedade civil, governos federal, estadual, municipal e setor privado. Quero dizer que, mesmo com a possibilidade de negociação, chega, sem aviso, a ação do despejo pelo Ministério Público do Estado de São Paulo para que os prédios sejam retomados. Vemos assim que uma área de interesse social não está sendo respeitada.

ABr - Qual é a situação dessas famílias?

Gegê - Desde 12 de novembro de 1997, quando ocorreu a ocupação, sempre buscamos soluções organizadas para que as famílias não passassem por saídas trágicas. As pessoas, que passaram a ocupar um prédio abandonado que não cumpria seu fim social, podem ser simplesmente retiradas, sem saber para onde vão, o que farão, se voltarão. Não estão cientes do que ocorrerá com elas. Talvez isso seja evitado amanhã. Mas, ainda assim, elas terão de sair um dia, segundo o Ministério Público, mesmo que voltem depois para o prédio.

O problema continuará, pois não há planos de reforma urbana. Como eliminar o problema da habitação, da falta de moradia popular nas cidades, se os próprios governos promovem o despejo? São praticamente oito anos de ocupação, em que praticamente não houve avanço nas negociações.

ABr - Como a reforma urbana pode ser feita?

Gegê - A reforma urbana não precisa só da moradia, mas do transporte, do abastecimento, da urbanização das ruas, de um conjunto de coisas. Diferentemente da reforma agrária, que é desapropriação das áreas, e nas quais o governo deve criar condições para as famílias poderem no campo morar e plantar. Ela é um outro conjunto de ações. A compra o prédio da Ouvidor não garante que famílias terão condições de pagar as prestações.

Para a reforma urbana, é preciso também emprego, de salário digno. A segunda coisa é que é preciso haver outra relação com o privado: é preciso ter dinheiro da sociedade civil privada. Se o privado não apostar nessa questão, não vamos resolver o problema de habitação. Nós não vamos ter uma reforma urbana no país sem que as empreiteiras mudem sua visão estreita de apenas lucrar. Se mais de 75% da população vive com, no máximo, três salários mínimos, significa que não haverá reforma urbana sem subsídio, sem o privado também apostando nessa proposta.

ABr - Como você avalia a entrada, na pauta do Senado, do projeto de iniciativa popular que cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e regulamenta o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS)?

Gegê - Esse projeto está há quase 14 anos procurando aprovação. O fato de ele estar no Senado é pouco. Era para estar aprovado e em pleno vapor no governo do presidente Lula, que, enquanto deputado federal, foi um dos primeiros a assinar o projeto de lei. Essa ainda não é a proposta que defendemos. Nós temos de ter um fundo com fundo, dinheiro.

Por que não usarmos o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) destinado à habitação, como na proposta inicial? Não consigo entender por que tornaram tão difícil o uso desse dinheiro, dos trabalhadores, pelos próprios. Para mim, isso é de fundamental importância: se aprovada no Senado, a proposta inicial do Fundo tem de ser vista, com o uso do FGTS.