Especial 1 - Especialistas defendem reforma política para aprofundar democracia na América Latina

30/11/2004 - 13h02

Fabiana Vezzali
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A reforma política pode fortalecer a democracia no Brasil. A afirmação é da cientista política Maria Victoria Benevides, professora da Faculdade de Educação da USP e presidente da Comissão de Ètica Pública, subordinada ao presidente da República. Ela defende a mudança no sistema eleitoral brasileiro como forma de ampliar os mecanismos de distribuição e controle social do poder.

"Para resolver os problemas gravíssimos de uma sociedade como a nossa, não adianta ter apenas eleições ou Justiça Eleitoral. Precisamos enfrentar seriamente o processo de distribuição, fiscalização e controle do poder. A garantia dos direitos sociais vai depender de quem tem o poder e de quais instituições a população pode efetivamente participar."

Estudo elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre a democracia na América Latina propõe a reforma política como uma das pautas de uma Agenda de Reformas Democráticas para fortalecer o regime nos países da região.

A pesquisa, divulgada pelo órgão no início do ano, também aponta que boa parte dos cidadãos e líderes políticos pesquisados não está satisfeita com o papel desempenhado pelos partidos. "Os partidos políticos são o instrumento para congregar e representar interesses, para canalizar a participação da cidadania. Formar líderes políticos e educar o cidadão. Levando em conta esses papéis dos partidos, sua crise na América Latina constitui uma das mais significativas deficiências das democracias na região", diz o relatório.

O estudo entrevistou 19,5 mil pessoas em 18 países. Para os líderes latino-americanos consultados, existe ainda uma "relação de concorrência entre partidos e certas organizações da sociedade civil". Para esses líderes, a combinação crise dos partidos e ampliação da participação "pode colocar em risco a governabilidade", diz a pesquisa.

José Antonio Moroni, diretor de Relações Institucionais da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais), discorda dessa avaliação. Moroni entende que os movimentos sociais não conquistaram mais espaço por causa da retração do papel desempenhado pelos partidos. "O debate dos grupos que defendem crianças e adolescentes, questão de gênero, do meio ambiente. Vários aspectos estão presentes na sociedade e os partidos não dão mais conta de responder. E o cidadão tem o direito de se organizar para defender esses interesses."

O projeto de lei que institui a reforma política está em discussão na Câmara dos Deputados desde 2003. A reforma propõe mudanças no sistema eleitoral e partidário do país. O relatório da Comissão da Reforma Política foi aprovado em dezembro de 2003. Entre as propostas apresentadas estão o financiamento público de campanhas e a verticalização partidária – sistema em que as coligações dos partidos no âmbito federal devem ser usadas também no âmbito estadual. Os projetos também alteram as normas para a propaganda eleitoral e a divulgação de pesquisas eleitorais.

Para Maria Victória, no entanto, a reforma não pode se resumir a discussões sobre o regime eleitoral ou partidário. "Os partidos são importantes na democracia, embora não sejam a única instituição para isso. Defendo junto ao fortalecimento dos partidos um outro tema da reforma política: a consolidação dos mecanismos de participação já previstos na Constituição, como o referendo, o plebiscito, a iniciativa popular, o Orçamento Participativo e audiências públicas."

O estudo divulgado pelo PNUD também indica forte insatisfação popular com a democracia. Cerca de 45% dos latino-americanos entrevistados apoiariam um governo autoritário se este resolvesse os problemas econômicos do país. Para Maria Victória, a ampliação da participação social pode alterar a percepção das pessoas sobre a eficiência dos governos democráticos.

"Vejo nessa questão o papel pedagógico dos partidos. Eles tinham a obrigação de mostrar como, numa democracia política – com pluralismo, com consultas populares –, essa exigência de eficiência da democracia teria mais força", avalia a professora.

O jurista Fábio Konder Comparato, professor de Direito Constitucional da USP, não acredita, entretanto, que o Congresso Nacional vá aprovar uma reforma política capaz de tornar o Estado mais democrático. "Desde o Império, nenhuma legislação eleitoral atingiu o ideal de dar ao povo o mínimo de controle sobre seus representantes. O deputado ou senador que se elegeu nesse sistema eleitoral não tem interesse nenhum em mudá-lo".

Comparato é coordenador de uma campanha nacional em Defesa da República e da Democracia, organizada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que propõe ampliar a participação da sociedade nas decisões nacionais por meio da realização de referendos e plebiscitos. A campanha defende que todas as leis eleitorais sejam submetidas à consulta popular.

Na opinião do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), é antigo o debate sobre a necessidade de fazer uma reforma política no Brasil. "Há um grupo no Brasil que acha que o problema é reformar de alto a baixo instituições como o sistema de governo e o sistema eleitoral. Como se todos os males do Brasil fossem efeitos dessas duas causas." Para o professor, o desafio de universalizar os direitos constitucionais deve orientar o debate sobre a democracia no país.

"Somente com a incorporação de milhões de brasileiros ao processo de participação que tem efetivamente possibilidade de trazer apoio ou crítica às políticas de governo, estaremos tratando de uma relação entre um país que há muitos anos vem sendo incapaz de garantir o direito a todos os habitantes. Acho que esse é problema da democracia no Brasil no momento", completa.