Povo de Gandhi trouxe esperança ao fórum e serve de lição para Porto Alegre, afirma dom Balduíno

20/01/2004 - 15h48

Maurício Hashizume
Repórter da Agência Carta Maior*

Mumbai (Índia) - O Fórum Social Mundial de Mumbai é do povo. O autor da afirmação é dom Tomás Balduíno, presidente de uma das mais ativas organizações camponesas do Brasil - a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Há décadas no movimento pela defesa da reforma agrária e das causas indígenas no Brasil, o religioso veio até a Índia representar a CPT no Fórum Social Mundial 2004.

Em entrevista, dom Tomás Balduíno disse, hoje, esperar que essa participação popular de Mumbai "sirva de lição" para o próximo Fórum Social Mundial, a ser realizado novamente em Porto Alegre, no início de 2005. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Repórter - Qual é a avaliação que o senhor faz deste Fórum Social Mundial na Índia?

Dom Tomás Balduíno - Em primeiro lugar, eu destacaria a surpresa. Se o pessoal da organização fosse calcular tudo o que faz parte da realidade da Índia, acho que talvez não faria um fórum aqui. Temos neste país a ponta extrema da pobreza e do desafio mundial assustador que temos pela frente.

Por outro lado, tive uma outra surpresa positiva: o povo irrompeu neste Fórum Social Mundial. Eles poderiam ficar de fora, mas estão aí. O fórum é deles. Não atrapalharam as conferências, que continuam seguindo o roteiro de sempre, mas trouxeram uma realidade nova: essa presença celebrativa, comunicativa e esperançosa para todos.

Eles vivem no mundo de Gandhi. Para mim, Gandhi foi um dos maiores pregadores do Reino dos Céus. Um pregador de forma concreta, não teórica. Eu vejo esse povo vivendo isso. Esse pluralismo, essa diversidade e essa multidão incontável. E paira sobre tudo isso o senso do humano, do respeito, da dignidade dentro da pobreza.

Repórter - O que o senhor leva desse encontro para o Brasil?

Dom Tomás - Eu gostaria que essa participação popular repercutisse no fórum seguinte (no Brasil). Para mim, depois de Mumbai, voltar para Porto Alegre, dá impressão de retrocesso. Gostaria que o povo irrompesse como neste Fórum.

A inspiração disso aqui é a massa. Nos fóruns realizados no Brasil, até agora nós fomos muito cúpula, como as cúpulas dominadoras. Precisamos nos inspirar na luta popular. Nos já tivemos exemplo disso na América Latina: Bolívia, Venezuela e o próprio povo argentino, reagindo contra governos. A meu ver, o único argumento que hoje convence as forças de opressão é a massa popular. Tudo isso deve ser uma lição para o próximo fórum.

Repórter - Mas o senhor acha mesmo possível que essa participação popular que marcou este Fórum de Mumbai seja repetida em Porto Alegre no ano que vem?

Dom Tomás - No Brasil, há muitas concentrações populares. Nas três primeiras edições, o Fórum foi distante. É preciso buscar o lugar deles, estabelecer-se onde o povo está. Aqui foi assim. Não teve escapatória. O fórum não pode escapar da massa popular. A explosão do povo neste fórum foi natural.

* parceira da Agência Brasil na cobertura do Fórum Social Mundial 2004