Movimentos camponeses lançam no FSM campanha para salvar sementes de arroz

20/01/2004 - 16h38

Por Mário Osava
Da IPS*

Mumbai, Índia - As espécies de arroz na Índia chegaram a somar cerca de 30 mil, mas atualmente restam muito poucas. A destruição da biodiversidade, dizem os ativistas de movimentos sociais presentes em Mumbai, é uma das conseqüências da crescente monopolização das sementes por consórcios multinacionais.

A situação mundial dessas empresas motiva a campanha lançada pela organização não-governamental Via Campesina em favor da recuperação das sementes do arroz pelos povos asiáticos, lançada neste IV Fórum Social Mundial (FSM), que acontece desde sexta-feira passada até esta quarta-feira nesta cidade indiana.

O arroz, um dos alimentos mais consumidos no mundo, teve origem na Ásia, mas o comércio de suas sementes na região hoje é controlado por dois grupos empresariais norte-americanos, que são Monsanto e Cargil, segundo o secretário-operacional da Via Campesina, o hondurenho Rafael Alegría.

A campanha internacional do arroz, lançada em Mumbai devido à importância desse alimento na Ásia, quer devolver aos camponeses o controle sobre suas sementes onde o perderam e mantê-lo onde ainda sobrevive. "Também queremos que seja reconhecido e respeitado o conhecimento tradicional dos camponeses e indígenas", disse ele.

A Via Campesina defende o conceito de soberania alimentar: "Cada povo deve produzir seus próprios alimentos ou não será livre", afirmou Itelvina Massioli, do Movimento dos Sem-Terra do Brasil. "Um país que não protege sua agricultura e a alimentação de seu povo está condenado ao fracasso", acrescentou.

"Alimento não é mercadoria, mas um direito fundamental dos seres humanos. É necessário primeiro comer, e só depois se poderá vender", acrescentou Alegría. Ele afirma ainda que o movimento mundial de pequenos agricultores e trabalhadores rurais que dirige rejeita a negociação sobre a questão agropecuária na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Os governos do mundo em desenvolvimento que buscam, por meio da OMC, eliminar o protecionismo e os subsídios para abrir os mercados da União Européia, dos Estados Unidos e do Japão, "repetem o discurso da liberalização comercial dos países ricos", criticou Alegría. Para ele, essa estratégia não trará soluções para o problema porque "apenas acumula capital nas mãos de exportadores e especuladores".

Segundo ele, os países que historicamente mais vendem alimentos, como a Índia, são os que concentram maior quantidade de pobres. "Não estamos contra o comércio, mas reclamamos uma inversão de prioridade, produzindo primeiro para alimentar nossa população, o que dinamiza a economia e beneficia o pequeno agricultor", concluiu.

"A OMC deve ficar fora da agricultura", afirmou o ativista francês Jose Bové, para quem a situação dos camponeses piorou desde 1986, quando começou o processo de negociações globais que culminou na criação dessa organização, em 1994, depois da chamada Rodada Uruguai.

Bové argumenta que os preços agrícolas caíram e milhões de camponeses foram e continuam sendo expulsos de suas terras. Ele citou como exemplo a China, que teve recente adesão à OMC. A Via Campesina, que também reúne organizações indígenas e de vítimas de inundações de represas, conta em Mumbai com cerca de 180 representantes de todo o mundo para participar do FSM e de atividades paralelas ao fórum.

Terra à vista

A reforma agrária é outra bandeira do movimento camponês no FSM, mas a reclamação não é aplicada em vários países. Em Moçambique, a luta é para "não perder a terra", de propriedade estatal em sua maior parte, disse Antonio Tonela, coordenador de programas da União Nacional Camponesa. Os camponeses moçambicanos buscam impedir a privatização de suas terras e o cumprimento de uma lei "progressista" de 1998, que promove a agricultura familiar e permite às mulheres terem o controle da terra, além do acesso a ele, explicou.

Também no Brasil, ter a terra registrada em seu nome é uma conquista recente das mulheres camponesas. Isso é importante para que "tenham alguma independência" e possam enfrentar "problemas específicos" de sua condição feminina, como a violência doméstica, observou a brasileira Adélia Schmitz, integrante do Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil também presente ao FSM.

* Material produzido pela Inter Press Service e distribuído pela Agência Envolverde - parceiras da Agência Brasil na cobertura do Fórum Social Mundial 2004