Brasília, 21/11/2003 (Agência Brasil - ABr) - A partir de agora pode ser mais fácil a titulação das terras ocupadas pelas Comunidades Remanescentes de Quilombos. No último dia 20, o Dia Nacional da Consciência Negra, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou um decreto que transfere do Ministério da Cultura para o Ministério do Desenvolvimento Agrário a competência relativa à delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como a determinação de suas demarcações.
Quando o assunto era da responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), entre 1995 e 1999, foram legalizadas as terras referentes a 6 comunidades. Com a transferência desta competência para o Ministério da Cultura, através da Fundação Cultural Palmares (FCP), o processo tornou-se mais ágil, a olhos vistos: de 2001 até o último dia 20, 33 comunidades foram tituladas.
A legislação brasileira que reconhece o direito dos quilombolas é recente e a primeira iniciativa ocorreu na Constituição Federal, em 1988. O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que assegura às Comunidades Remanescentes de Quilombos o direito ao Título de posse das terras que ocupam. Em 1995, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) determinou, por meio de uma portaria, que as áreas quilombolas fossem demarcadas e tituladas. A portaria institui também a criação do Projeto Especial Quilombola.
A competência para regularizar as terras quilombolas foi delegada ao Ministério da Cultura em outubro de 1999 e, em 2001, foi assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, um decreto que, restringiu a titulação das comunidades remanescentes de Quilombos apenas àquelas que ocupavam as terras no dia 5 de outubro de 1988.
A limitação da data não estava prevista na Constituição e não considera os quilombolas que por algum motivo, foram obrigados a se deslocar de suas terras. Em muitas áreas do território brasileiro há conflitos entre quilombolas e fazendeiros. Seria necessário desapropriar as terras e indenizar os proprietários para então conceder a titularidade da terra às Comunidades de Remanescentes de Quilombos.
De acordo com Mário Alexandre dos Santos, 47 anos, o representante dos Negros de Jilú, sua comunidade foi desabrigada por causa da construção da barragem de Itaparica. "Nós vivíamos bem, tínhamos a nossa pesca, que antigamente era feita de acordo com a nossa vontade. Mas agora, além da pesca com a barragem ser mais difícil, ainda tem o Ibama, que, não permite a pesca na época da desova dos peixes", desabafa. Mário Alexandre não se envergonha de dizer que hoje existem quilombolas passando fome e pede atenção aos representantes do governo para as comunidades remanescentes de quilombos.
Em uma parceria entre a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Fundação Cultural Palmares (FCP), mais de mil quilos de alimentos foram comprados para abastecer 15.062 famílias remanescentes de quilombos. As cestas básicas, suficientes para 3 meses de consumo, serão distribuídas na próxima semana pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Os negros de Jilú será uma das comunidades atendidas pela ação.
A Comunidade dos Negros de Jilú, que fica na região de Itacuruba (PE), não é uma comunidade titulada ainda, mas Mário Alexandre está lutando pelo reconhecimento das terras. Ele conta que vai se reunir com o Incra no próximo dia 25 e espera receber uma resposta positiva do instituto.
O conceito mais atual para definir o que vem a ser remanescentes de quilombo é aplicado pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA): "quilombo é toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistência, e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado". É a partir dessa classificação que as instituições brasileiras, como a Fundação Cultural Palmares, tentaram legalizar as comunidades negras rurais como comunidades quilombolas.
A Fundação Cultural Palmares é uma entidade pública vinculada ao Ministério da Cultura, e sua missão é "promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira". De acordo com o decreto assinado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2001, cabia à entidade a tarefa de praticar e assinar os atos necessários ao cumprimento do artigo 68 do ADCT.
A Fundação realizou a sistematização das áreas de remanescentes de quilombos, tendo identificado 743 áreas, onde, estima-se, vivem cerca de 2 milhões de brasileiros. Destas áreas, porém, apenas 39 foram reconhecidas e receberam o título definitivo da terra.