Polícia Federal assume investigação da morte de tetemunhade atividades de grupos de extermínio

10/10/2003 - 16h26

Brasília - A Polícia Federal já está em Santo Antônio de Jesus, a 150 quilômetros de Salvador, para investigar o assassinato do borracheiro Gerson Jesus de Bispo, morto a tiros ontem por supostos integrantes de grupos de extermínio que atuam na região. A determinação para que a Polícia Federal assumisse o caso partiu do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. O borracheiro foi a segunda testemunha assassinada depois de prestar depoimento à relatora da Organização das Nações Unidas para Execuções Sumárias, Asma Jahangir.

O ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, culpou a cúpula do governo da Bahia de omissão no combate aos grupos de extermínio no estado. Dados da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia revelam que nos últimos dez anos, a ação desses grupos aumentou 291%, enquanto no Rio de Janeiro cresceu 41% e em São Paulo, 39%. De acordo com Nilmário Miranda, as autoridades estaduais já haviam recebido denúncias da ação desses grupos na região e não tomaram providências para prender os acusados, identificados por testemunhas ouvidas por uma comissão do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), da Secretaria de Direitos Humanos.

Segundo Nilmário Miranda, foram 42 execuções sumárias só em Santo Antônio de Jesus. O CDDPH enviou um relatório com a denúncia ao governo do estado, que limitou-se a colocar dois policiais para proteger outra testemunha ameaçada, a presidente do fórum de Direitos Humanos do município, Ana Maria dos Santos, no trajeto de casa para o trabalho. Mas ainda segundo o ministro, depoimentos de testemunhas apontam o envolvimento de policiais civis e militares nesses crimes, que tiveram nomes citados no relatório do Conselho. "Tem filmes, gravações, tem tudo. São provas eloqüentes das vítimas indicando que seriam os grupos de extermínio. E nada foi feito. Mesmo depois da visita da Asma e das ameaças contra as pessoas, a única providência foi colocar dois policiais para acompanhar a Ana Maria dos Santos", criticou o ministro, ao condenar o fato de os policiais suspeitos de homicídios em série continuarem trabalhando normalmente.

Miranda deu as declarações antes de participar de reunião, no Ministério da Justiça, com os presidentes das Comissões de Direitos Humanos das Assembléias Legislativas de todo o país.

No entendimento do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia, Yulo Oiticica, o governo do estado tem sido negligente quanto à proteção de defensores de direitos humanos e de testemunhas da ação de grupos de extermínio. Oiticica lembrou que cerca de um mês antes de ter sido ouvido pela relatora da ONU, o borracheiro já havia prestado depoimento aos membros do CDDPH. "Ele colocou todos os detalhes, inclusive nomes dos assassinos do seu irmão e do amigo do seu irmão que foram executados juntos".

Oiticica revelou no entanto que na conversa com Asma Jahangir, Gerson Bispo preferiu não mencionar os nomes citados no depoimento anterior, porque vinha sendo alvo de ameaças anônimas por telefone. "Ele estava com medo", contou .

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia da Bahia disse falta vontade política para chegar aos culpados e puni-los. "Não tenho dúvida nenhuma que tem muita gente grande nisso e há falta de vontade de investigar. Não entendo de outra forma, senão a tentativa de proteger alguns desses grandes", disse. Devido a esses entraves no âmbito estadual, a ação do governo federal é fundamental, na avaliação de Oiticica. "Se houver investigação, facilmente se chegará aos assassinos porque a intensidade desses grupos tem sido cada vez maior", disse.

Para o ministro Nilmário Miranda, a impunidade nos casos de violação dos direitos humanos está ligada à atuação do Judiciário. Ele citou os baixos números de condenação em casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, retratados em pesquisa feita da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que mostra que de 57 indiciados, apenas três foram condenados. O ministro lembrou ainda que em se tratando de trabalho escravo, que explora a mão-de-obra de 25 mil brasileiros a cada ano, apenas uma pessoa foi condenada pelo crime até hoje. Segundo Miranda, a penalidade aplicada foi a doação de cestas básicas. "O Brasil não deve ter o direito de discutir isso? É claro que tem", destacou o ministro, ao questionar a reação negativa do presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, diante da proposta de inspeção da ONU no Judiciário brasileiro. A sugestão foi feita por Asma Jahangir, durante audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quarta-feira passada (8).

Nilmário Miranda considera contraditório o comportamento do presidente do STF, que assinou tratados internacionais por meio dos quais o Brasil se compromete a receber visitas de inspeção para verificar se os acordos estão sendo cumpridos, há época que era ministro da Justiça. "Ele (Corrêa) está politizando a coisa. Se ele pensar um pouquinho vai lembrar, se é que não esqueceu, que esteve lá em Viena chefiando a delegação brasileira na Conferência de Direitos Humanos", lembrou.

Segundo Nilmário, é fácil agora para Corrêa esquecer o que disse e fez no passado. Miranda disse ainda que a atitude do presidente do Supremo não condiz com a do chefe de um dos Três Poderes. "Se ele fizesse isso, saberia que a coisa mais rotineira que existe num país democrático, que assumiu compromissos com a ONU e com a OEA (Organização dos Estados Americanos), é ter visitas, ter relatórios, expor a situação. Isso não fere a soberania, pelo contrário, ajuda o Brasil".

Juliana Andrade