Belém, 28/8/2003 (Agência Brasil - ABr) - O segundo dia de julgamento do caso dos meninos emasculados de Altamira, Pará, começou com os depoimentos de dois sobreviventes de torturas e da castração praticadas por dois acusados de participarem da seita religiosa Lineamento Universal Superior (LUS), Otoniel Costa e Wandicley Pinheiro. Otoniel foi atacado em 1989, quando tinha 10 anos e Wandicley, em 1990, aos 9 anos. Como são vítimas e podem ter interesse em ver os réus condenados, eles prestaram depoimento apenas como informantes, sem prestar juramento.
Os acusados Amailton Gomes e Carlos Alberto Santos foram retirados da sala para evitar o constrangimento das testemunhas. No depoimento de Otoniel, o juiz Ronaldo Valle, que conduz o processo, chamou os réus para que o rapaz pudesse fazer o reconhecimento de Carlos Alberto, ex-policial militar acusado de ter sido a pessoa que atraiu o menino para um local isolado, onde cortaram seus órgãos genitais. "Eu tenho a certeza, a convicção, 100 por cento, que foi Carlos Alberto", afirmou o jovem ao ver o ex-PM. Otoniel disse ainda que não se importava com a presença do réu na sala e que se ele quisesse poderia ficar para ouvir. Com o consentimento de Otoniel, o juiz determinou a permanência de Carlos Alberto e do outro réu, filho de empresário local e também suspeito de participar dos crimes.
Já a outra vítima, depôs o tempo todo acompanhado de uma psicóloga. Ele também identificou Carlos Alberto. Segundo o promotor de acusação, Clodomir Araujo, foi preciso convencer o rapaz a depor hoje. Ele contou que Wandicley ficou abalado por ter visto de perto ontem o seu agressor. Cada um falou por cerca de 1 hora, respondendo perguntas do juiz e dos advogados de defesa e de acusação.
A defesa procurou desqualificar os depoimentos, alegando que as duas vítimas tinham identificado logo após a violência outras pessoas como sendo os agressores. Os dois afirmaram que na época tinham medo de serem mortos caso denunciassem o verdadeiro culpado. "Antigamente, eu era uma criança amedrontada, e hoje eu já sou homem, assumo meus atos e não tenho mais medo", respondeu Otoniel quando perguntado porque agora tinha coragem de identificar Carlos Alberto.
Os depoimentos também mostraram o drama vivido pelos jovens que passaram por diversas cirurgias para reconstituição dos órgãos sexuais. Wandicley passou por quase 20 cirurgias e teve vários problemas, como rejeição ao órgão implantado. Tendo feito 14 operações, Otoniel disse que a cada uma revivia o dia que foi castrado por causa da sensação de dormência da cintura para abaixo, provocada pela anestesia. "Eu tenho várias seqüelas, fiz várias cirurgias e não posso fazer esforço físico, sem contar as seqüelas da cabeça", disse Otoniel.
Outra testemunha, Agostinho José Costa, afirmou ter visto o médico Césio Brandão, outro acusado que será julgado na próxima terça-feira, saindo do local onde uma vítima foi encontrada carregando um isopor e uma faca suja de sangue. Ele também viu no mesmo dia, Amailton Gomes nas proximidades.
O primeiro caso dos meninos emasculados de Altamira surgiu em 1989 e, até 1993, 19 meninos entre 8 e 13 anos foram vítimas. 6 foram mortos, 8 sobreviveram e 5 ainda estão desaparecidos. Mais 8 testemunhas serão ouvidas ainda hoje e a previsão é que o julgamento termine amanhã.