Mariana Jungmann
Repórter da Agência Brasil
Santa Maria - Doze dias antes de a Boate Kiss pegar fogo, matando 235 pessoas, a prefeitura de Santa Maria fechou uma casa noturna da cidade. A Boate do DCE (Diretório Central dos Estudantes), conhecido ponto de encontro de alunos da Universidade Federal, não tinha documentação em dia e, em função de uma denúncia, recebeu a visita de fiscais da prefeitura que interditaram o local. O caso foi citado pelo prefeito Cezar Schirmer como um exemplo de que a prefeitura age, fiscalizando as casas noturnas da cidade. “Quando a prefeitura recebe denúncia, ela vistoria e interdita se for o caso”, disse o prefeito.
Um inquérito civil público aberto pelo Ministério Público Federal (MPF) no município mostra que a Boate do DCE funcionou durante mais de dez anos sem ser corretamente fiscalizada. Em função de reclamações dos moradores da região onde funcionava a casa noturna, o MPF cobrou, em junho do ano passado, uma vistoria sobre a situação do isolamento acústico da casa. Lá, os fiscais municipais descobriram que o alvará sanitário estava vencido desde 2002 e que o DCE, responsável pela boate, não tinha alvará de localização. “A prefeitura fiscalizou a boate porque o MPF solicitou”, conta o procurador da República Rafael Miron, responsável pelo inquérito.
O alvará de localização é o documento essencial para o funcionamento de qualquer estabelecimento comercial em Santa Maria. Ele é emitido pela prefeitura depois que o comerciante comprova que está em dia com as questões tributárias, ambientais e de segurança, inclusive que tem o alvará dos bombeiros de combate e prevenção a incêndio. No ofício encaminhado pela prefeitura, comunicando ao MPF a notificação ao DCE, os fiscais não informaram claramente desde quando o alvará estava vencido, mas disseram que a boate estava funcionando “sem licença”.
Cerca de cinco meses depois, em 17 de dezembro, o procurador Rafael Miron voltou a cobrar da prefeitura providências sobre a boate e o alvará de localização. Após reiterados ofícios do procurador, os fiscais realizaram nova vistoria no local e produziram dois relatórios nos quais apontaram diversos problemas, desde a documentação, sem os alvarás sanitários e de localização, até as dificuldades de acessibilidade para deficientes físicos. Eles decidiram então fechar a boate. Os relatórios do município não falam sobre a condição de segurança contra incêndios ou citam que o alvará dos bombeiros tenha sido cobrado.
Segundo esclarecimento da assessoria de comunicação da prefeitura, o Código de Postura do Município determina que os alvarás e outros documentos de exigência municipal não sejam pedidos em casos de estabelecimentos da União, do estado ou do município. Mas não esclarece porque os alvarás foram emitidos a primeira vez e nunca fiscalizados, nem por que a prefeitura cobrou os alvarás e fechou a boate por não ter as licenças quando fiscalizou. A Boate do DCE fica em prédio da Universidade Federal de Santa Maria, mas era gerida pelos estudantes, que inclusive cobravam ingressos.
O Corpo de Bombeiros notificou os estudantes para a adequação de diversas medidas de segurança e prevenção contra incêndios na Boate do DCE e no prédio anexo da Casa do Estudante. A notificação data de agosto de 2012 e os bombeiros exigiam a implementação de luzes e saídas de emergência, extintores de incêndio, alarme de incêndio, entre outras. O DCE nunca cumpriu as determinações e foi multado três vezes por isso, entre agosto e setembro. Quando a boate foi fechada pela prefeitura em 8 de janeiro deste ano, o estabelecimento continuava funcionando sem os itens de segurança contra incêndio.
A Agência Brasil tentou contato com o Corpo de Bombeiros, em Santa Maria, mas ninguém estava disponível para dar entrevista.
Edição: Graça Adjuto
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