Guilherme Jeronymo
Repórter da Agência Brasil
Rio de Janeiro – A Ordem dos Advogados do Brasil Seção Rio de Janeiro (OAB-RJ) vai repassar à Comissão Nacional da Verdade levantamentos e depoimentos coletados desde 2010 pela Comissão de Memória da entidade. Acordo estabelecendo a colaboração foi assinado hoje (14) entre a OAB-RJ e a comissão nacional.
A OAB-RJ tem apurado informações sobre a atuação de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Justiça militares, durante o período de repressão ocorrido entre 1964 e 1985. “Tudo aquilo que for produzido, os depoimentos e documentos, será remetido à Comissão Nacional da Verdade”, declarou o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous.
“A vantagem do atraso [da comissão nacional, pelo fato de só ter começado os trabalhos neste ano] é que nós não estamos partindo do zero. Estamos partindo de um acumulado de informações muito maior do que em outros países que fizeram comissões da Verdade. Nós estamos aproveitando todo o trabalho dos que nos precederam, pioneiramente, toda essa investigação, da comissão dos mortos e desaparecidos, os trabalhos do [grupo] Tortura Nunca Mais, o trabalho do Arquivo Nacional, os comitês de memória, que foram formados muito antes da nossa comissão”, destacou o jurista e membro da Comissão da Verdade, Paulo Sergio Pinheiro.
Integrante da Comissão da Verdade, o advogado João Paulo Cavalcanti Filho destacou que o acordo reafirma os compromissos da OAB. “A história da OAB se confundiu com a própria história da resistência da advocacia brasileira. Esse é um acordo natural, que, de um lado, estabelece o compromisso nosso na busca pela liberdade nos limites humanos e, por outro, reafirma os compromissos da OAB”, disse.
Para a presidenta da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Maria Margarida Pressburger, o acordo vai permitir, a partir dos dados levantados, uma outra interpretação do período histórico da ditadura militar. “[É fundamental] Para que nossos netos e filhos não tenham de estudar nos livros escolares uma história mentirosa, uma história que transforma em heróis verdadeiros vilões e assassinos. Nomes de logradouros têm de ser mudados. Tivemos presidente biônicos? Tivemos. Não foi vontade do povo brasileiro, foi imposto. E isso tem de ser corrigido”, disse.
Na cerimônia de assinatura do acordo, voltou à tona a discussão em torno do sigilo de dados e fontes durante as investigações, ponto polêmico nas audiências e eventos públicos da Comissão Nacional da Verdade, a exemplo do que ocorreu ontem (13), na sede da OAB-RJ, quando a entidade recebeu os integrantes da comissão nacional pela primeira vez.
Defendido pelos integrantes da Comissão da Verdade como instrumento para permitir uma investigação profunda, o sigilo visa, segundo Pinheiro, à própria continuidade dos trabalhos.
“É uma falsa questão, que nos impede de ter uma discussão mais séria com pessoas que estão naquele público. Nós teríamos questões mais importantes para discutir, sobre o próprio conteúdo e as questões temáticas, sobre as quais temos de fazer uma reflexão. O que acontece, às vezes, nessas reuniões é que elas reduzem a riqueza que elas poderiam ter”, explica Rosa Cardoso, que também integra a comissão.
Tanto Rosa quanto Pinheiro destacaram ainda peculiaridades do trabalho no território fluminense. Com vários espaços marcados pela repressão, o trabalho da comissão no Rio terá foco, necessariamente, nas “Casas da Morte”, aparatos de tortura e repressão que começam, só agora, a ser revelados por meio de pesquisas da Comissão da Verdade e de entidades civis.
“Nós vamos tentar, principalmente em um estado como o Rio de Janeiro, afinar esta informação, produzir uma informação, sobretudo, tomando questões que não foram ainda bem investigadas e não estão divulgadas. Nós sabemos que “Casas da Morte” existem muito mais do que as que estão até agora levantadas e contabilizadas”, disse Rosa.
Ainda segundo a integrante da comissão, há aparatos secretos como esses, desconhecidos da opinião pública mesmo em áreas nobres da capital do estado, como o Jardim Botânico, onde uma "Casa da Morte" funcionou nos anos de repressão, sendo denunciada pela Igreja, à pedido da população.
“Os moradores inclusive já tinham descoberto aquilo e estavam considerando uma convivência inviável, porque as crianças estavam vendo aquelas cenas de violência praticada ali”, informou, sem detalhar a localização do aparato repressivo. Rosa Cardoso também chamou a atenção para a necessidade de investigar os espaços de tortura existentes no interior do estado, ainda mais desconhecidos que os espaços da capital.
Edição: Lana Cristina