Crescimento do carnaval de rua no Rio é consequência da redescoberta dos blocos, diz historiador

04/03/2011 - 18h19

Paulo Virgilio
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - O crescimento do carnaval de rua do Rio de Janeiro nos últimos anos é um fenômeno natural de uma festa que está em constante transformação, mas tem a contribuição de um certo esgotamento das escolas de samba e de uma redescoberta dos blocos pela mídia, principalmente no centro e na zona sul da cidade. A afirmação é do historiador Felipe Ferreira, ao analisar o impacto representado pelo grande número de blocos de rua no carnaval carioca – 424 este ano, se forem contados apenas os oficialmente cadastrados na prefeitura e autorizados a desfilar.

“Com o tempo, ficou cada vez mais difícil e caro desfilar numa escola de samba. Ou você paga caro por uma fantasia ou entra para uma ala em que é preciso ensaiar o ano inteiro”, diz Ferreira, professor do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autor das obras Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro e Inventando Carnavais: O Surgimento do Carnaval Carioca no Século 19 e Outras Questões Carnavalescas. Para ele, isso é resultado do próprio crescimento das escolas, sobretudo as do Grupo Especial, hoje internacionalmente famosas, disputadas por gente de todo o mundo. Aliado aos altos preços dos ingressos no Sambódromo, este fato tem levado um número crescente de foliões aos blocos de rua, que estavam relegados a um segundo plano na festa.

Os blocos passaram – ou voltaram – a ser a opção daquelas pessoas que querem brincar o carnaval, mas de uma forma mais descompromissada. Para isto, no entanto, houve uma grande contribuição dos meios de comunicação. “Os blocos, na verdade, nunca deixaram de existir. Eles estavam é meio fora do foco da mídia. Em Madureira e outros bairros da zona norte, sempre foram fortes. O que houve é que com esse esgotamento das escolas de samba o número deles cresceu muito na zona sul e no centro, onde tudo o que acontece tem mais repercussão na mídia”, diz o historiador.

A divulgação maior acaba atraindo mais foliões aos blocos e propiciando o surgimento de outros, num processo de que Ferreira define como de realimentação. “O crescimento vem se dando em progressão geométrica: a cada ano aumenta mais o número de blocos e o de pessoas participando deles”, constata.

O historiador vê também semelhanças entre o atual estágio do carnaval carioca e o do período que vai do final do século 19 ao início do século 20. “Foi quando o carnaval do Rio se modelou, a partir da brincadeira das ruas, com os corsos e as grandes sociedades, diversão mais ligada à elite, e os zés-pereiras, blocos de sujo, os cordões e os ranchos, que eram as diversões mais populares”. Segundo Felipe Ferreira, o que hoje é chamado de carnaval de blocos de rua na época era considerado o “pequeno carnaval”, em oposição ao “grande carnaval”, o dos bailes e dos corsos.

Ele destaca ainda uma outra característica desta nova fase do carnaval de rua, que é a retomada do gosto pela fantasia, até há cerca de dez anos praticamente restritas aos desfiles oficiais das escolas de samba e blocos de enredo. “No carnaval de rua as pessoas brincavam vestidas com pouca roupa, saindo da praia, de sunga, biquini ou maiô, mas sem fantasia. Nos últimos anos, a gente percebe um retorno ao gosto pela brincadeira, por essa coisa maliciosa de virar um personagem e de fazer uma crítica social, ou simplesmente se enfeitar para ficar mais bonito”, observa.

A crítica irreverente sempre foi uma marca dos blocos de rua e, por esse motivo, o historiador vê de forma positiva a polêmica que ganhou espaço neste carnaval, envolvendo o bloco Que Merda É Essa, que desfila no domingo (6) no bairro de Ipanema, zona sul do Rio. Um grupo ligado ao movimento negro protestou contra o irreverente enredo do bloco, que satiriza a tentativa de censura à obra do escritor Monteiro Lobato por um suposto racismo. A camiseta do bloco, desenhada pelo cartunista Ziraldo, mostra Monteiro Lobato abraçado a uma mulata. “O carnaval é um momento de crítica, da sociedade se comentar e se ver refletida, mas tanto pode criticar como ser criticado”, diz. Para Ferreira, no entanto, os que protestam contra o bloco poderiam ser menos sisudos e levar a questão de forma mais lúdica, no espírito da festa. “Seria mais bacana eles fazerem um outro bloco criticando a crítica”.

Felipe Ferreira lembra que o espírito do carnaval está muito presente no jeito brasileiro de se relacionar com a vida e a sociedade. “Não é à toa que somos chamados de o país do carnaval”. Para ele, a festa se beneficia do atual momento vivido pelo país, de democracia e ampla liberdade de expressão. “Por outro lado, durante a época da ditadura, o carnaval sempre foi um espaço de resistência. Foi quando surgiu, por exemplo, a Banda de Ipanema”.

 

Edição: Aécio Amado