Parte da população desconhece efeitos de variações da taxa de juros em seu dia-a-dia

05/12/2007 - 18h52

Edla Lula e Kelly Oliveira
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - As decisões do Comitê dePolítica Monetária (Copom) do Banco Central sobre a taxa básica de juros passam longe dasconversas diárias de pessoas como o garçom Manoel Torquato, que não costuma avaliar asvariações da Selic para fechar as contas no fim do mês ou tomar decisões."Selic? Taxa básica dejuros? Não sei o que é isso", disse Torquato à Agência Brasil, estranhando a indagação. "Élógico que não sei se tem alguma influência na minha vida. Imagino que não,nunca ninguém me cobrou." A enfermeira Maria ClaudinaSoares da Costa, entretanto, arrisca um palpite: "É uma taxa muito importante. A mídia estáfalando disso a toda hora."A posição do garçom e da enfermeira entrevistados reflete um pensamento comum na população brasileira, mas esse tema, que passa ao largo de seu dia-a-dia, tem efeitos diretos eindiretos na sua vida."A Selic serve de base para a composição dasdemais taxas", explica o vice-presidenteda Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade(Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira. "Toda vez que o juro cai, tem possibilidade de redução de juros parao consumidor", sintetizou Oliveira.  O professor de economia da Universidade deBrasília (UnB) Roberto Piscitelli define a Selic "como o ponto de partida, opiso das taxas de juros", que "puxa as demais taxas". Ele lembraque a Selic é praticada nas operações entre bancos e também serve de referênciapara os empréstimos que o governo toma, por meio do lançamento de seus títulos.Quando o governo reduz a taxa básica,espera-se que os bancos também reduzam as suas. No entanto, ressalta Piscitelli, o efeito da redução ou do aumento da Selic não é imediato para o consumidor."Esse movimento não se dá com a mesma velocidade e intensidade. Pode levarmeses."Além disso, o processo de redução no mercadoé mais lento. Pelas estimativas de Oliveira, para cada redução de 0,25 pontopercentual na Selic, há uma redução de 0,02 ponto percentual ao mês nas taxasao consumidor.  Ao falar sobre os efeitos indiretos das variações da taxa de juros na vida docidadão, Oliveira explica o que ocorre no mercado de trabalho: "Quando você reduz aSelic, os juros reais [descontando a inflação] baixam, e isso possibilita amanutenção de um quadro econômico bom. As empresas não encontram dificuldadepara pedir empréstimos, porque as taxas são baixas, e podem investir. Issosignifica geração de emprego."Outro aspecto é que a redução da taxa básicatorna menos atrativos os títulos públicos, forçando os bancos a abrirem omercado de crédito. Os bancos deixam de comprar títulos e passam a liberar maisdinheiro para empréstimos, reduzindo suas taxas. Se a taxa é alta, o retornoque o governo paga para o banco, quando o título vence, é mais vantajoso do queemprestar ao consumidor. Por isso, lembra Piscitelli, uma terceiravantagem indireta para o consumidor é que o governo paga menos juros, podendoinvestir o dinheiro que pagaria nos juros da dívida, por exemplo. "Se ogoverno despende uma parcela considerável desses recursos para o pagamento dejuros, faltam recursos para outras prioridades, como, por exemplo, programas sociais, investimentos, infra-estrutura", comenta oprofessor.Tanto Oliveira quanto Piscitelli acreditamque, mesmo com parada na trajetória de redução da Selic, a partir de outubro, háespaço para as instituições financeiras reduzirem os juros cobrados dosconsumidores. Isso porque o spread  (diferença cobrada pelos bancos entrea captação e a concessão do empréstimo) pode serreduzido. "O spread no Brasil está entre os mais elevados do mundo. Isso acontece porque são poucas instituições, e muito poderosas, que têm condições de formar preço", acrescenta Piscitelli.Estudosda Anefac mostram que atualmente, enquanto a Selic está em 11,25% ao ano, as taxas da pessoa física atingem 130,58% aoano. Isso significa uma variação de mais de 1.000% entre a Selic e as taxas domercado. "Em algumas instituições financeiras, em linhas de empréstimo pessoal,essas taxas chegam a atingir mais de 1.500% ao ano", informa Oliveira.