Ombudsman integra esforço para melhorar jornalismo, avalia Marcelo Beraba

22/03/2007 - 20h43

Sabrina Craide e Aloisio Milani
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - Ombudsman é uma palavra de origem sueca que significa "representante" ou "procurador". Nos veículos de comunicação, o papel do ombudsman é, além de ouvir as reclamações e sugestões dos leitores, ouvintes e telespectadores, fazer uma análise crítica sobre o trabalho do próprio veículo, seja jornal, rádio ou televisão. Atualmente, no Brasil, apenas dois jornais impressos possuem uma coluna para o trabalho de um ombudsman: Folha de S.Paulo e O Povo.O jornal Folha de S.Paulo foi o primeiro veículo impresso da América Latina a implantar o cargo. O ombudsman atual é o jornalista Marcelo Beraba, que concedeu uma entrevista à Agência Brasil, para falar sobre sua experiência à frente deste trabalho e qual a relação do cargo com a melhoria da qualidade das notícias. Segundo ele, possíveis divergências entre a redação jornalística e o ombudsman precisam ser superadas pela opinião do leitor, que é quem legitima da função do comunicador.De acordo com Beraba, a criação do cargo de ombudsman e ouvidores busca credibilidade, transparência e um canal direto com seus leitores. No entanto, ele avalia que a presença do ombudsman não garante necessariamente que o jornal tenha credibilidade, mas é uma ferramenta importante para melhorar a qualidade do jornalismo. "A nossa função é servir de intermediação entre a redação e os leitores que se sentem prejudicados pela qualidade de informação a que estão tendo acesso", explica Beraba. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.Agência Brasil: Qual a sua avaliação sobre o processo de implantação dos cargos de ombudsman nos veículos de comunicação. Qual a tendência para as empresas de comunicação no país?Marcelo Beraba: A função de ombudsman moderno, tal como conhecemos hoje em jornais, rádios e televisão surge na década de 60 nos Estados Unidos. Já havia ombudsman na Suécia e no Japão. Mas o conceito com essas características que a gente tem hoje, surge num momento de crise de credibilidade da imprensa dos EUA. Dentro de uma discussão ampla que envolveu academia, jornais, intelectuais, sobre a questão da imprensa, democracia, poder, etc. Uma das idéias aventadas na ocasião foi a do ombudsman e que logo em seguida foi adotada por um jornal. Um jornal relativamente pequeno, mas em seguida vários jornais importantes dos Estados Unidos adotaram - como Washigton Post, Los Angeles Times, Chicago Tribune, etc. Até que, o jornal mais resistente a isso, que era o New York Times, há três anos atrás também adotou a figura do ombudsman.Na América Latina, ele chega tardiamente. O primeiro jornal a implantar foi a Folha de S.Paulo, em 1989, e implanta também com esse objetivo de buscar transparência, buscar um canal direto de comunicação com seus leitores e também de buscar credibilidade. É uma função que a gente não pode mitificá-la, quer dizer, não é uma função que em si garanta necessariamente credibilidade, qualidade. Mas é uma função muito importante e que pode ajudar a melhorara a qualidade do jornalismo. Não considero, pela experiência que eu tenho acompanhado de ombudsmen de outros países e experiências no Brasil, que um veículo que não tenha ombudsman não esteja melhorando, não esteja crescendo, nada disso.Acho que á uma evolução bem parecida com os principais meios do Brasil desde a década de 70, 80, 90, e uma evolução no sentido de esforço de melhorar a qualidade do jornalismo que fazem. Agora, a maior parte dele não tem ombudsman. Acho, pelo que eu vejo na Folha e em outros jornais de outros países que o ombudsman acaba tendo uma grande contribuição, não para resolver todos os problemas, para acabar com todos os problemas de um jornal, mas para ajudar a melhorá-lo.ABr: A implantação de um processo de ombudsman, de dialogo direto com leitor, telespectador e ouvinte, não é feita sem conflitos – com a redação, com a direção de um jornal, de uma TV e uma rádio. Qual sua opinião sobre isso? E como superá-la a partir do conceito da qualidade editorial?Beraba: Existe um pressuposto que é a questão da vontade editorial. No caso de uma empresa privada, se a direção, se os acionistas, os donos não tem uma disposição de garantir aquela autonomia, não adianta nada. No caso de empresas públicas, se você não tiver algo legal que dê base àquilo, também de pouco vai adiantar em médio ou longo prazo. Pode tudo ir por água abaixo. Por quê? Porque é uma função que, por natureza, ela é questionadora. A principal função dela é servir de intermediário entre os leitores, que se sentem prejudicados pela qualidade do material a que eles estão tendo acesso, e a redação.Minha preocupação principal não é o atrito com a redação. Eu procuro fazer um trabalho o mais impessoal possível, o mais profissional possível. Ou seja, eu não fico nomeando: "o repórter tal fez uma matéria ruim". Eu sempre responsabilizo o jornal: o jornal foi bem nisso, o jornal foi mal nisso, o jornal não foi equilibrado, o jornal não foi pluralista, etc". Então, eu sempre procuro atribuir ao jornal. Mesmo assim, é possível que você tenha áreas de insatisfação. O primeiro ombudsman do New York Times, quando eu conversei com ele, me disse: "eu vivo um inferno, porque eu vivo entre a ira dos leitores e uma resistência infernal da redação".De uma certa maneira, isso é um componente, mas o principal nessa função é o ponto de vista do leitor. Se você acolhe esse ponto de vista dele, as queixas dele, você tem que, de uma certa maneira, pressionar a redação. Isso não significa que o leitor, telespectador ou ouvinte, estará sempre com a razão. Vivenciei nesses três anos casos de reclamações completamente improcedentes, porque eu estou acompanhando, vi como o jornal cobriu aquilo, o jornal deu todos os lados envolvidos, ainda assim o leitor achou que aquilo. Nem sempre eu acho que essa queixa é procedente.Agora, todos têm direito de reclamar, de cobrar, de exigir. Tem também um aspecto de como você vai fazer isso, tem pessoas que não são civilizadas, são mal educadas, e tudo mais. Mas esse é o ponto de vista principal. Em relação à redação, é você ser o mais profissional possível, o mais impessoal possível, de forma que você tenha legitimidade junto à redação para levar as queixas e trazer soluções para os leitores.