Aloisio Milani e Monique Maia
Da Agência Brasil
Brasília - O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê a criação de um fundo de investimentos em infra-estrutura que utiliza parte dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), patrimônio dos trabalhadores brasileiros que totalizam atualmente mais de R$ 170 bilhões. A maneira de utilizar esse dinheiro gerou um debate entre governo federal, centrais sindicais, parlamentares e especialistas sobre a finalidade do fundo, suas regras de gestão e as prioridades de investimento no país. A proposta chegou a ser questionada na justiça e, agora, até se cogita usar o dinheiro para o trabalhador investir em ações na Bolsa de Valores.O FGTS foi criado para suprir o trabalhador com carteira assinada, a partir de uma garantia de renda acumulada ao longo da trajetória profissional. Quando há um rompimento do contrato de trabalho, sem justa causa, o empregado pode sacar o valor acumulado. O cidadão pode atualmente utilizar o dinheiro em situações específicas como, por exemplo, aposentadoria, compra de imóvel próprio ou doença grave, mas não pode sacar o dinheiro para fins diversos. Paralelamente, um conselho de representação tripartite (governo, trabalhadores e empregados) definem limites de usos para empréstimos dos recursos, como moradia, saneamento e infra-estrutura.A ligação dos recursos do FGTS com os investimentos em habitação é antiga. Depois de sua criação, a gestão ficou a cargo do antigo Banco Nacional de Habitação (BNH). Após a extinção do órgão, a gestão do fundo ficou com a Caixa Econômica Federal (CEF), amparada pelas mudanças feitas na Constituição de 1988. A aplicação dos recursos do fundo é feita prioritariamente em habitação, saneamento e infra-estrutura para subsidiar políticas sociais. Contudo, os investimentos tem gerado rendimentos menores que os da inflação nos últimos anos. Ou seja, o valor depositado para cada trabalhador no fundo tem tido perda real ao longo do tempo.Esse é o atual ponto a ser resolvido na discussão atual para o uso do dinheiro. Por isso, as centrais sindicais passaram a exigir uma rentabilidade mínima para as aplicações no novo fundo de investimento. Ou seja, de pelo menos o equivalente à Taxa Referencial (TR), mais 3% de juros ao ano, como tem rendido o FGTS recentemente. Inicialmente, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, disse que não poderia dar a garantia por limitações da legislação. Depois, durante audiência no Congresso Nacional, os ministros da Fazenda, Guido Mantega, do Planejamento, Paulo Bernardo, disseram que o presidente Lula abriu o debate para a garantia de rentabilidade.O consultor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo D’Ávila avalia que o uso de recursos do FGTS em obras de infra-estrutura "é com justa razão uma coisa polêmica, pois mexe com um patrimônio que pertence ao trabalhador". O pesquisador e economista da Unicamp Márcio Pochmann acredita que a utilização do FGTS “é perfeitamente factível, não sendo contrário ao que a constituição estabelece". "A aplicação que o governo federal pretende fazer é positiva para o país, para os trabalhadores e para a sociedade como um todo”, concorda.Contudo, em meio à negociação entre governo e centrais sindicais, surgiu a proposta de usar o dinheiro no mercado de ações, o que gerou novo capítulo do debate. Para o economista Márcio Pochmann, a compra de títulos significaria o vazamento dos recursos do fundo. “Seria uma grande perda já que o Brasil tem um enorme déficit habitacional estimado em 7 milhões de moradias e, em grande parte das cidades brasileiras, não existe um sistema de saneamento descente”, avalia. Esse último ponto ainda não foi concluído nas discussões e devem voltar nas emendas parlamentares que tramitam junto às medidas provisórias do PAC no Congresso Nacional.O fundo de investimento está previsto no PAC. Os recursos aplicados fazem parte do patrimônio líquido do FGTS, que diz respeito à rentabilidade do fundo. A idéia é que sejam investidos inicialmente R$ 5 bilhões em projetos de infra-estrutura como estradas, ferrovias e portos. Atualmente o patrimônio líquido é de cerca de R$ 21 bilhões. O fundo será administrado pela Caixa Econômica Federal e os trabalhadores poderão participar investindo até 10% do saldo que tem na conta do FGTS.