Eleições no Haiti buscam normalização democrática após queda de Aristide em 2004

15/01/2006 - 14h07

Aloisio Milani e Érica Santana
Repórteres da Agência Brasil

Brasília – A mobilização da chancelaria brasileira em relação ao Haiti não ficou reduzida às paredes da embaixada na capital Porto Príncipe, nem somente ao empenho em liderar as tropas militares das Nações Unidas. O Brasil tem buscado auxiliar na cooperação com o país e acompanhado de perto as organizações das eleições para substituir o governo provisório, instalado após a queda do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, em fevereiro de 2004.

A rotina deste pequeno país do Caribe, que divide uma ilha com a República Dominicana, era pouco conhecida entre os brasileiros. No corpo diplomático, poucos acompanham a realidade haitiana como o chefe da Divisão de América Central do Ministério das Relações Exteriores, conselheiro Igor Kipman. Em 2004, em Porto Príncipe, o diplomata ajudou a preparar a visita de diversas autoridades, inclusive para o jogo da paz entre as seleções brasileira e haitiana de futebol.

Futuro observador brasileiro nas eleições para presidente, senadores e deputados no Haiti, o conselheiro Igor Kipman relata em entrevista à Agência Brasil como está a preparação para o pleito e a articulação política e partidária. "É um país mais ou menos do tamanho de Sergipe com quase 100 partidos com grande interesses, de várias facções, seja política, seja comercial ou industrial", define. Leia a seguir alguns trechos da entrevista.

Agência Brasil: Os candidatos concorreram a quais cargos nas eleições? E como está definido o calendário eleitoral?
Igor Kipman: Finalmente temos marcadas as eleições. O primeiro turno será agora no dia 07 de fevereiro. O segundo turno marcado para 19 de março. E em abril, as eleições locais. É uma grande conquista, nós estamos pendentes da realização dessas eleições há muito tempo. Já foram adiadas três vezes. Sem dúvida será dia 07, porque todos os adiamentos foram devidos a dificuldades organizacionais.

Serão eleições para presidente da República, para senador (três por departamento com mandatos seis, quatro e dois anos, de acordo com a Constituição do Haiti) e para deputados. Se nenhum dos candidatos à presidente, obtiver maioria, 50% mais um, então haverá um segundo turno, em 19 de março.

A Força Internacional de Paz da ONU (Minustah) está lá há um ano meio visando a exatamente transferir novamente a presidência do país para um presidente democraticamente eleito. Temos um governo de transição que tem essa obrigação: realizar as eleições para que assuma novamente um presidente democraticamente eleito, que assuma um Senado, que não existe mais eleito, e uma Câmara dos Deputados. Ou seja, a normalização democrática do país.

ABr: Quantos partidos vão disputar as eleições? E como está a articulação partidária nessa reta final?
Kipman: São cento e poucos partidos, com 34 candidatos a presidente, o que é uma coisa complicada. Vários desses partidos se agruparam. Tem a Fusão Democrática, que reuniu um grupo, por exemplo. O candidato René Preval hoje desponta com maiores chances, já foi presidente do país entre 1995 e 2000, pelo partido do Aristide. Ele hoje é candidato por um outro partido que ele criou, mais ainda assim tem grande apoio entre os seguidores do Aristide. E já muitas indicações de que ele, pelo menos, vá ao segundo turno.

Há alguns outros candidatos que declaram que, caso Preval vá para o segundo turno, se aliarão a ele. No outro lado da rede também, alguns dos opositores estão se aliando e acenando com coalizões para o segundo turno. Ou seja, é exatamente o jogo democrático que nós esperamos que tenha bons resultados no Haiti.

ABr: Haverá a participação de observadores internacionais no pleito?
Kipman: Vai haver a participação de observadores internacionais. Sem isso fica sujeito a mesma coisa que já aconteceu muitas vezes no Haiti - acusações de fraude de parte a parte, principalmente por parte dos perdedores. E se não houver os observadores internacionais que possam verificar se há ou não a lisura das eleições, então fica uma coisa muito difícil de administrar.

Haverá um corpo de observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), que é quase que tradição. Quando a OEA organiza as eleições, ela manda um corpo de observadores seus, pois são de vários países trabalhando no grupo OEA. A Caricom deve mandar observadores. O Canadá mandará seus próprios observadores e o Brasil também mandará.

Há toda uma preparação para isso no Haiti e nos países para que haja os observadores eleitorais. Após encerrar as eleições serão a garantia de que, caso ocorra as eleições com lisura, como todos esperam que seja, os observadores possam atestar isso perante a comunidade internacional. Após quase dois anos de trabalho e US$ 65 milhões gastos na organização, se não houver uma garantia de que os ganhadores assumam sem que seja contestada a eleição, nós perdemos a partida.