Viagem à África 7: no Senegal, Lula pede perdão ao povo africano

17/04/2005 - 17h05

Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - A última etapa da missão presidencial à África, no Senegal, teve particular significado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e comitiva. Em visita à Ilha de Gorée, base de onde partiam os navios negreiros nos séculos XVII e XVIII, Lula conheceu um pouco mais da história dos escravos que construíram o Brasil e pediu perdão aos africanos pelo sofrimento imposto no passado. "Eu queria dizer, presidente Wade, ao povo do Senegal e ao povo da África, que não tenho nenhuma responsabilidade pelo que aconteceu no século XVIII, no século XVI, XVII, mas eu penso que é uma boa política dizer ao povo do Senegal e ao povo da África: perdão pelo que fizemos aos negros".

Lula foi chamado, pelo presidente senegalês Abdoulayê Wade, de primeiro presidente negro do Brasil, pelo esforço do governo brasileiro contra a discriminação e pela integração social. Pelos habitantes de Gorée, Lula foi saudado com o grito que marcou a eleição do presidente senegalês: Soppi, que representa mudança. Wade chegou ao poder em 2000, em sua terceira tentativa de se eleger presidente, pondo fim aos 40 anos de governo do Partido Socialista em Senegal e a um mandato de 20 anos do presidente Abdou Diouf. O pleito foi considerado raro exemplo de democracia no continente africano.

"Temos uma história comum de luta pela afirmação dos valores democráticos e pela superação dos graves constrangimentos que afetam o mundo em desenvolvimento. O Senegal destaca-se, na África de hoje, como exemplo de democracia e de gestão responsável da economia", afirmou o presidente Lula em um de seus discursos no Senegal.

À parte a identidade de luta pela democracia entre os dois presidentes, Brasil e Senegal vem intensificando, nos últimos dois anos, a cooperação técnica e o intercâmbio econômico-comercial. Quando assumiu o poder, em seu discurso de posse, Abdoulaye Wade, mencionou o Brasil como um dos países em cuja direção orientaria sua política externa. Em 2001, autorizou a reabertura da Embaixada do Senegal em Brasília, fechada desde 1995.

Entre 2002 e 2004, a balança comercial entre os dois países cresceu 150%, totalizando US$ 75,52 milhões no ano passado, com superávit brasileiro de US$ 72,91 milhões. A cooperação técnica bilateral também vem se ampliando: o Brasil participou ativamente do combate à praga de gafanhotos, com a doação de uma aeronave pulverizadora "Ipanema", formação e treinamento de profissionais senegaleses e assinatura de Protocolo de Intenções sobre Cooperação Técnica no Domínio do Controle Biológico dos Gafanhotos, firmado em janeiro durante visita do ministro Celso Amorim a Dacar. Em dezembro de 2004, o governo brasileiro negociou o reescalonamento e perdão de 60% da dívida do Senegal com o país, de US$ 5 milhões.

A agenda do presidente Lula em Dacar incluiu a assinatura de acordos e a divulgação de comunicado conjunto. Um memorando de entendimentos firmado entre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência de Regulação das Telecomunicações do Senegal prevê a troca de experiências na administração do setor, com normas e padrões a serem cumpridos por operadoras e avaliação de tarifas e preços por prestadoras de serviço. Além disso, haverá intercâmbio de experiências em gestão de orçamento, recursos humanos e infra-estrutura. Também foram assinados o Programa Executivo do Acordo Cultural de 23 de setembro de 1964, para o período de 2005-2008 e Acordo sobre Isenção de Vistos para Portadores de Passaportes Diplomáticos ou de Serviço.

Em comunicado conjunto, os dois presidentes reafirmaram seu empenho em fortalecer a cooperação técnica, especialmente em agricultura e saúde. Neste sentido, será examinada a possibilidade de ampliar o campo de ação do Protocolo de Intenções na Área de Saúde, assinado em junho de 2002, particularmente na área do combate ao HIV/AIDS. No domínio agrícola, Lula comprometeu-se a ampliar a cooperação técnica bilateral, colocando à disposição do Senegal a experiência brasileira em matéria de produção de biodiesel, entre outros.

Na área de intercâmbio cultural, o Brasil aceitou a proposta senegalesa de que a próxima Conferência de Intelectuais Africanos na Diáspora seja sediada em território brasileiro. Também voltou à pauta a idéia de uma partida amistosa de futebol entre as seleções nacionais dos dois países, levantada por ocasião da visita ao Senegal, em janeiro de 2005, do ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. O assunto deverá ser encaminhado por organismos competentes do Brasil e do Senegal para que a partida aconteça até o final de deste ano.

Por fim, Brasil e Senegal reafirmaram, no comunicado conjunto, a necessidade de reforma da Organização das Nações Unidas, com ampliação do Conselho de Segurança para incorporação de novos países em desenvolvimento como membros permanentes, mas não houve manifestação explícita de apoio ao pleito do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança.

À margem da visita, um encontro entre empresários senegaleses e brasileiros foi realizado em 14 de abril de 2005 em Dacar.

Ao final da viagem, Lula sintetizou o objetivo da missão por cinco nações africanas: "O que eu quero, na verdade, é que essas pessoas que governam os países africanos, o povo da África, percebam que nós somos um país de irmãos, que nós somos um país de companheiros, que nós somos um país que quer uma integração efetiva. Nós não queremos explorá-los, nós não queremos fazer escravos, nós não queremos tirar coisas deles, como no passado. Nós queremos repartir o pouco que nós temos com eles para eles repartirem um pouco do que têm conosco, numa política de fazer com que cresça o Brasil, cresça a América Latina e cresça o continente africano."