Viagem à África 5: governo brasileiro quer reverter o déficit no intercâmbio comercial com a Nigéria

17/04/2005 - 15h16

Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Um dos pontos altos da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Nigéria foi a proposta, pelo presidente nigeriano Olosegum Obasanjo, de realização de uma Cúpula América do Sul - África, com chefes de estado dos dois continentes, provavelmente no início de 2006. Obasanjo pediu apoio de Lula junto aos demais paises sul-americanos e ficou de negociar a Cúpula com as outras 53 nações africanas. O assunto deve voltar à tona em setembro, quando o nigeriano deve vir ao Brasil para participar, como convidado especial de Lula, das comemorações do Dia da Independência (7 de setembro).

A Nigéria, o mais populoso país africano (140 milhões de habitantes), tem grande peso político e econômico no continente e é o maior parceiro comercial do Brasil na África. A atividade agrícola é intensa, mas a base da economia é a extração de petróleo, que responde por 90% das vendas externas – a Nigéria é 6º maior produtor de petróleo do mundo. Graças exatamente às vendas deste produto, a balança comercial com o Brasil é altamente deficitária. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em 2004 o Brasil exportou US$ 505 milhões para a Nigéria e importou US$ 3,49 bilhões (130% a mais que em 2003). Deste total, 97% em óleos brutos de petróleo. Neste ano, o déficit já acumula US$ 1 bilhão, com previsão de fechar 2005 em cerca de US$ 4 bilhões – o maior déficit comercial do Brasil.

O desequilíbrio no intercâmbio comercial entre os dois países é uma das preocupações do governo brasileiro. "Nosso intercâmbio comercial registra cifras importantes. Atinge quase 4 bilhões de dólares, mas ainda não reflete a diversidade e o equilíbrio desejáveis para as trocas entre as duas economias. Vamos estimular nossos agentes econômicos a desenvolver o intercâmbio bilateral", afirmou o presidente Lula durante a visita à Nigéria.

As relações entre os dois países foram particularmente intensas no plano econômico-comercial até meados dos anos 80. Sem que o Brasil deixasse de importar substancialmente o petróleo "brent" nigeriano, o intercâmbio comercial sofreu, contudo, relativo retraimento.
"O comércio é uma via de duas mãos, onde você compra e vende. Precisa haver equilíbrio nessa relação", enfatizou o presidente Lula, que destacou os setores de serviços, ciência e tecnologia e implementos agrícolas como potenciais para o incremento das exportações brasileiras. "Cabe a nós desafiar os empresários para que visitem a Nigéria, para que descubram que tipo de parceria podem fazer com os nigerianos, que tipo de produtos podemos comprar, além de petróleo, e que tipo de produtos podemos vender além do que já vendemos."

Com o objetivo de reverter o déficit no intercâmbio comercial com a Nigéria, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, anunciou que levará àquele país uma missão de empresários brasileiros no início do próximo semestre. Serão estimulados empreendimentos conjuntos na Nigéria, em áreas que abrangem, entre outras, o processamento e a distribuição de carnes e a fabricação de implementos agrícolas. A Petrobras demonstra interesse em ampliar suas operações e também há possibilidade de negócios nas áreas de defesa, construção civil e outros serviços de engenharia, e de medicamentos.

Lula e o presidente nigeriano, Olosegum Obasanjo, também trataram da questão da dívida nigeriana com o Brasil, de cerca de US$ 160 milhões, e manifestaram intenção política de resolver a questão. Obasanjo assegurou que enviará representantes ao Brasil para discutir o caso. Na Nigéria, um grupo de trabalho discutirá a questão.

Por fim, Brasil e Nigéria assinaram Protocolo de Intenções na área de agricultura para cooperação técnica em temas como sistemas de produção e processamento da mandioca, trigo, arroz, frutas tropicais e silvicultura, em produção de hortaliças e na utilização e manejo sustentável do solo. O protocolo partiu de experiência bem-sucedida de cooperação entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o estado nigeriano de Jigawa, iniciada em 2000. As negociações para a assinatura do documento começaram em janeiro, durante visita do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, à Nigéria.

Também finalmente foram concluídas, segundo informações do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, as negociações sobre acordo de confidencialidade para transferência de tecnologia brasileira para produção de medicamentos anti-retrovirais na Nigéria. Segundo Amorim, o acordo só não foi assinado porque não havia na comitiva nenhum representante da Far-Manguinhos/Fiocruz, mas será firmado, no Brasil, nas próximas semanas.

Embora não tenham sido fechados acordos comerciais, Amorim destacou o avanço nas relações entre Brasil e Nigéria. "A Nigéria vai ser uma grande potência, já é uma potência regional. Ter uma relação próxima e direta com um país que é sem dúvida alguma a maior potência da África é algo muito importante. Mas não se pode esperar que todos os gols saiam no primeiro tempo", afirmou o ministro.

Para o presidente Lula, "a redescoberta da Nigéria pelo Brasil" deve ser o principal resultado da visita. "Eu acho que, agora, é hora de nos olharmos e percebermos que dois países, um com 140 milhões de habitantes, outro com 180 milhões de habitantes, somados, viram uma população que só perde para a China e para a Índia", enfatizou o presidente. "Se tudo der certo, depois desta visita do presidente Obasanjo ao Brasil, teremos muito mais acordos para assinar e tornar mais práticos os nossos discursos de integração da América do Sul e da África", declarou durante a viagem.