Leia a íntegra da carta da Comissão para a Erradicação do Trabalho Escravo

31/03/2005 - 23h08

Brasília - Em nota encaminhada na quarta-feira (30) ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) afirma que as operações dos grupos móveis de fiscalização estão "praticamente inviabilizadas e podem parar a partir do início do mês de abril". O motivo seriam as baixas diárias de viagem pagas aos auditores fiscais do trabalho e aos policiais federais que integram as operações. A Contrae considera os recursos insuficientes para cobrir gastos com hospedagem e alimentação e que, ao optarem por hospedagens mais baratas, colocam em risco sua integridade física e o sucesso da operação. Leia abaixo a íntegra do texto:

"Ao Exmo. Sr. Luís Inácio Lula da Silva
Presidente da República

A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) tomou conhecimento no dia de hoje que as operações de libertação de trabalhadores escravizados estão praticamente inviabilizadas e podem parar a partir do início do mês de abril caso não sejam tomadas medidas imediatas por parte do governo federal. Vale ressaltar que a erradicação do trabalho escravo é um das principais metas presidenciais, prioridade assumida em março de 2003.

Os valores pagos como diárias aos auditores fiscais do trabalho e policiais federais (que variam em torno de R$ 60,00) têm sido insuficientes para cobrir os gastos de hospedagem e alimentação durante as ações dos grupos móveis de fiscalização. Devido a essa limitação financeira, optam por uma hospedagem mais barata, muitas vezes em locais sem nenhuma segurança * colocando em risco a sua integridade física e o sucesso da operação. A manutenção histórica dessa situação tem feito com que muitos bons profissionais desistam de estar nas ações * cuja participação tem caráter voluntário. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, a falta de recursos humanos para realizar as fiscalizações já levou ao cancelamento de cinco dessas operações apenas em 2005.

O gasto com um aumento nas diárias é pequeno se comparado com o alcance social do trabalho dos grupos móveis e mesmo com o aumento na arrecadação de impostos trazido pela legalização das relações trabalhistas. O problema é principalmente burocrático, pois há uma diária fixa para os servidores federais em viagem às capitais e outra para o interior. As entidades participantes da Conatrae defendem que seja garantida, pelo menos, uma diária de capital (variando em torno de R$ 120,00) para os membros da móvel.

O problema tem sido discutido no âmbito da Conatrae desde instalação da comissão há dois anos e há quatro anos entre as instituições governamentais e da sociedade civil envolvidas no tema. Diversas moções por uma solução foram tomadas, mas nenhuma delas obteve sucesso, permanecendo nas declarações de boas intenções.

Dezenas de denúncias estão na fila para serem verificadas, o que representam centenas de trabalhadores em condição de escravidão que não conquistarão sua liberdade tão cedo, nem terão sua dignidade respeitada. Ao todo, são cerca de 25 mil pessoas em situação de escravidão no Brasil que ficarão à própria sorte com a paralisação das atividades.

Tendo em vista a responsabilidade do poder executivo com a atual situação e reconhecendo a impossibilidade de continuar as operações dos grupos móveis de fiscalização sem risco à vida desses servidores, a Conatrae exige um aumento no valor das diárias sob pena de ser confirmada a paralisação do principal instrumento de combate ao trabalho escravo do país a partir de abril".