Brasília – O Ministério Público Federal pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) abertura de inquérito contra o governador do Estado de Rondônia, Ivo Cassol, por envolvimento em questões referentes à extração de diamantes na reserva indígena Roosevelt, do povo Cinta-Larga. Cassol é suspeito dos crimes de responsabilidade, facilitação de contrabando e descaminho e prevaricação.
O caso ganhou repercussão nacional após a chacina que vitimou 29 garimpeiros e levou à prisão de envolvidos com atividades ilícitas de garimpagem em terras indígenas. Foi instaurada ação penal para apurar a atuação de uma suposta organização criminosa cuja finalidade seria extrair clandestinamente diamantes da terra indígena Roosevelt. Entre os envolvidos, estariam caciques, funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai), policiais civis e federais e contrabandistas de diamantes.
A investigação apontou para o envolvimento do governador. Um dos acusados de ser líder da quadrilha – ao lado dos policiais federais José Bocamino e Marcos Aurélio Soares, de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo –, Marcos Glikas, afirmou em interrogatório que o governador de Rondônia tinha conhecimento das atividades ilícitas da organização criminosa. Ele se referiu a reuniões realizadas com Cassol e sua chefe de gabinete, Leandra Fátima Vivian, nas quais se acertava a exploração da jazida de diamantes existente na Reserva Roosevelt por meio da estatal Companhia de Mineração do Estado de Rondônia (CMR) sem autorização prévia da União. O contrabandista teria apresentado fotos que comprovariam seu contato com o governador.
Ainda segundo o depoimento de Glikas, outro acusado, José Roberto Gonzales, fazia contatos com os índios e com pessoas ligadas ao governo de Rondônia. Nessas reuniões, discutiam-se condições do acerto que permitiria a entrada de garimpeiros e maquinários na reserva indígena. Cassol teria participado de pelo menos uma dessas reuniões. Gonzales teria dito ao sócio que o governador mantivera máquinas no interior do garimpo de diamantes em 2002. O mesmo Gonzales agiria como servidor da CMR, como representante para assuntos comerciais. Ele teria a função de dar apoio logístico ao campo de extração, tendo montado até mesmo um escritório na região.
Uma conversa telefônica mantida entre Gonzales e o delegado da Polícia Federal José Bocamino, monitorada no âmbito da "Operação Lince", permitiu a identificação de um esquema de exploração ilegal de diamantes na reserva. Os contrabandistas teriam investido R$ 1 milhão para compra, transporte e manutenção de máquinas de lavra e pagamento de comissões e propinas.
Gonzales deveria proporcionar a entrada e instalação das máquinas no interior da aldeia liderada pelo cacique João Bravo, por meio de contatos e acertos com os indígenas. Ele também tratava com funcionários do governo estadual, Funai e policiais responsáveis pela fiscalização da reserva, além de outros empresários de mineração. Em um desses contatos, Gonzales teria entregue a Bravo, em nome de Cassol, uma proposta de legalização do garimpo existente na reserva dos Cinta-Larga.
À polícia, o próprio Gonzales afirmou que a proposta entregue aos índios consistia na criação por eles de uma cooperativa que seria responsável pela extração e comercialização dos diamantes existentes na área da reserva indígena; a CMR organizaria a atuação com os bancos que comprariam o produto e dividiria os lucros com a organização. Uma outra entidade não-governamental atuaria em projetos de recuperação ambiental, projetos florestais e convênios com a Funai.
As informações foram confirmadas em depoimento pelo cacique João Bravo Cinta-Larga, na ação penal em que também é réu. Gonzales se teria apresentado como representante do governador para levar uma proposta de trabalho para o garimpo de sua tribo.
Entre tais propostas, constavam, em troca da autorização para entrada da equipe de garimpeiros, o pagamento de R$ 100 mil na conta da Associação Paerenã e o envio, pelo Estado de Rondônia, de máquinas e pessoas para obras de reparo nas estradas de acesso à reserva. O piloto que transportava Gonzales até a aldeia também confirmou que ele se identificava como representante do governador e que o ouviu tratar de reuniões entre o governador e os índios.
O índio Nacoça Pio Cinta-Larga também confirmou o envolvimento de Cassol com a extração ilegal de diamantes da reserva. Nacoça teria sido convidado para uma reunião com o governador na qual foi proposta a melhoria das estradas que ligam as aldeias às cidades, a construção de escolas e a melhoria dos serviços médicos na aldeia em troca de 2% dos diamantes retirados. João Bravo e outros líderes indígenas teriam participado de reuniões com o mesmo teor. Em outra ocasião, Cassol teria proposto colocar máquinas de garimpo em troca da construção de uma escola e a equipagem das farmácias da aldeia. Como as propostas foram recusadas, o governador teria ordenado a remoção dos policias ambientais que trabalhavam nas barreiras da Funai. Algumas dessas informações foram confirmadas tanto pelo cacique quanto por outros indígenas.
Entre os indícios da ligação de Gonzales com as atividades ilegais, estão uma agenda encontrada em seu poder que listava nomes e telefones de pessoas, segundo o MP, integrantes da organização criminosa, e um documento que o identificava como representante da estatal CMR em "assuntos comerciais no Estado de Rondônia, no Brasil e no exterior, com poderes para apresentar e receber propostas de entidades governamentais e privadas, não governamentais, organismos de fomento ou qualquer outro órgão que deseje investir no desenvolvimento da atividade mineral no Estado de Rondônia".
Por fim, o MP levanta a posição pública assumida por Cassol no caso da chacina de garimpeiros dentro da reserva Roosevelt. O governador foi francamente favorável ao garimpo ilegal, chegando, segundo o MP, a incentivar a prática e repudiar a ação constitucional da Funai em entrevistas à televisão.
O pedido de abertura de inquérito apresentado pelo MP solicita a tomada de depoimentos de Vivian e Gonzales; a apresentação dos originais das fotos que comprovariam os encontros entre Cassol e o contrabandista Glikas e outros procedimentos judiciais e periciais necessários à instrução do processo, como a remessa dos autos da Operação Lince, entre outros.
Com informações são do Superior Tribunal de Justiça