Judiciário favorece grandes fazendeiros, diz presidente da Pastoral da Terra

27/04/2004 - 20h17

Brasília, 27/4/2004 (Agência Brasil - ABr) - O presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Tomás Balduíno, acusou hoje o Poder Judiciário de favorecer os interesses dos grandes proprietários de terras em detrimento dos interesses dos trabalhadores rurais. Em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, o bispo aposentado da cidade de Goiás Velho (GO), de 81 anos, disse que, "para proteger o latifúndio, o Judiciário agride os trabalhadores, os massacra, os humilha e os deixa em situações de extrema dificuldade e de miséria".

Segundo Dom Tomás, o caso da fazenda Southall, em São Gabriel (RS), é um dos exemplos da "insensibilidade" do Judiciário. Com 13.222 hectares de área, a fazenda da família Southall, vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2001, foi declarada improdutiva e, no dia 20 de maio de 2003, decretada de interesse social para fins de reforma agrária. O proprietário recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a desapropriação e conseguiu reaver a terra por meio de liminar concedida pela ministra Ellen Gracie Noortfleet.

Com a decisão do STF, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizou uma marcha à fazenda, mas foi impedido de ocupá-la por conta de uma contramarcha realizada pelos fazendeiros da região, com apoio do prefeito de São Gabriel, contou o bispo. Dom Tomás disse que, após o impedimento da marcha, a ministra Ellen Gracie, relatora do processo, antecipou o julgamento do mérito e levou a matéria a votação no dia 14 de agosto do ano passado. "A maioria dos ministros acompanhou seu voto e o Supremo suspendeu, por 8 votos a 2, o decreto de desapropriação do presidente Lula".

O momento mais tenso da sessão da CPMI foi quando o presidente da CPT revelou que a ministra Ellen Gracie tinha interesse na desapropriação: "Logo após o julgamento, veio a público que a ministra era prima da mulher do proprietário. A ministra foi casada e tivera uma filha com um primo-irmão da esposa do latifundiário. Um conjunto de documentos - certidões de óbito, de casamento e de nascimento - foi resgatado, confirmando o parentesco. A ministra até hoje é casada legalmente, em comunhão de bens, com Enio Correia Palmeiro de Foutoura, primo da esposa do proprietário, segundo certidão de casamento expedida pelo Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais da 1ª Zona de Porto Alegre em 25 de agosto de 2003, onde não consta nenhuma averbação de separação".

Ainda de acordo com Dom Tomás, o dono da fazenda, William Losco Southall, acumula dívidas da propriedade, em execução judicial no Fórum de São Gabriel, no valor de R$ 27 milhões. Dom Tomás lembrou que, além disso, William Losco foi condenado em outubro de 2003 pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre à prestação de serviços comunitários por um ano e meio, acusado de se apropriar de 433 toneladas de arroz da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que pagou para que o produto fosse armazenado pelo fazendeiro na década de 90.

Em conseqüência das denúncias de Dom Tomás, os integrantes da CPMI aprovaram requerimento apresentado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) no qual convidam a ministra Ellen Gracie a participar de uma reunião da comissão, em data a ser marcada, para esclarecer e se defender das acusações.

Sobre a repressão à marcha do MST em São Gabriel, o bispo contou que milhares de panfletos foram espalhados na cidade na época, incitando os moradores a reagirem à ação dos trabalhadores rurais. Num dos trechos do panfleto, os trabalhadores foram chamados de ratos. "Estes ratos precisam ser exterminados. Vai doer, mas, para grandes doenças, fortes são os remédios. É preciso correr sangue para mostrarmos nossa bravura. Se queres paz, prepara a guerra, só assim daremos exemplo ao mundo de que em São Gabriel não há lugar para desocupados. Aqui é lugar de povo ordeiro, trabalhador e produtivo. Nossa cidade é de oportunidades para quem quer produzir e não há oportunidades para bêbados, ralé, vagabundos e mendigos de aluguel", diziam os panfletos.